quinta-feira, 22 de março de 2012

Intervenção do Ministério Público em ação judiciais com pedido de Benefício de Amparo Assistencial - LOAS

Juliano de Camargo
Bacharel em Direito, pós-graduado em Direito Público, Assistente Jurídico do MPSP


Sem embargo da expressa previsão constante do artigo 31 da Lei 8.742/1993 (Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS), donde se verifica a necessidade de intervenção do Ministério Público em ações com pedido de concessão de Benefício de Prestação Continuada, em face do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, é o caso de se analisar, em cada caso concreto, a pertinência da intervenção face o papel constitucional deste órgão.

Com efeito, a literalidade do dispositivo apontado demanda a obrigatoriedade do Ministério Público “zelar pelo efetivo respeito aos direitos estabelecidos nesta lei [LOAS].”

Porém, contrastando-se com a vocação precípua da Instituição no que concerne aos interesses sociais difusos ou coletivos, no caso afeto à pessoa idosa ou portadora de deficiência, especialmente incapazes, é de argumentar a extensão desta intervenção.

Neste feito, embora cuide de pedido relacionado à assistência social, cuja lei determina a intervenção do Ministério Público, há que se anotar que se trata, na verdade, de direito disponível, em que pese abarcar pessoa idosa ou deficiente.

Nesse sentido já se posicionou o Superior Tribunal de Justiça:

RECURSO ESPECIAL.  AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PREVIDENCIÁRIO. ILEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. ASSISTÊNCIA SOCIAL. PORTADOR DE DEFICIÊNCIA. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. RENDA FAMILIAR. O Ministério Público não tem legitimidade para ajuizar ação civil pública relativa a benefício previdenciário, uma vez que se trata de interesse individual disponível. Notadamente, o Texto Constitucional de 88 dá uma dimensão sem precedentes ao Ministério Público, entretanto, convenço-me também de sua ilegitimidade para propor Ação Civil Pública nas hipóteses de benefícios previdenciários, uma vez que, a bem da verdade, trata-se de direitos individuais disponíveis que podem ser renunciados por seu titular e porque não se enquadram na hipótese de relação de consumo, uma vez que consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final, em que não se amolda a situação aqui enfrentada. Recurso especial do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS provido. Recurso especial da União prejudicado. (REsp 502744 / SC - Rel. Ministro JOSÉ ARNALDO DA FONSECA - QUINTA TURMA - v.u. - j. 12/04/2005). [com grifos nossos]

Portanto, o dispositivo legal que determina a atuação do Ministério Público deve ser lido sob a ótica constitucional das funções institucionais do parquet:

Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:
...........................................
IX - exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas. (grifamos).

Ora, é de se analisar nas situações próprias se o idoso ou deficiente estão em situação de vulnerabilidade ou não, se são hipossuficientes ou não. E tal não se verifica nos autos, vez que o ajuizamento da ação foi promovida por advogado regularmente constituído.

Não há que se falar, portanto, em obrigatoriedade de manifestação deste órgão só porque a lei assim o determina. Antes, conforme previsto no artigo 1º do Ato nº 313/03-PGJ/CGMP, caberá ao Promotor de Justiça avaliar se o idoso ou pessoa portadora de deficiência está em posição de promover sua própria defesa, em condições de igualdade com a parte contrária.

Com estas razões, entendo tratar-se de direito disponível e, estando o autor plenamente assistido, não se configurará a necessidade de intervenção do Ministério Público.


Parecer: Guardas Municipais

Parecer acerca das competências policiais e de fiscalização de trânsito das Guardas Municipais.

Juliano de Camargo
Bacharel em Direito, pós-graduado em Direito Público, Assistente Jurídico do MPSP




1. Da fiscalização de trânsito e uso de giroflex

A Constituição Federal disciplina as atribuições das guardas municipais, conforme artigo 144, §8º:

“§ 8º - Os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei.”

De outro lado, como ente federativo, o Município, dentro de suas competências político-administrativas, deve legislar aquelas matérias de peculiar interesse, predominantemente local (art. 30, I, CF).

Interesse local não significa interesse exclusivo, podendo ser reflexamente interesse do Estado e da União, tal qual a segurança pública. As peculiaridades de cada Município definirão suas necessidades próprias.

Nesse passo, o trânsito e sua regulação é assunto de interesse social e peculiar de cada Município. Se é de competência da União legislar sobre trânsito (art. 22, XI, CF), também é de interesse do Município – daí sua competência – para dispor sobre tais matérias nas vias municipais, inclusive sobre fiscalização.

E corrobora esse entendimento a previsão do artigo 24 do Código de Trânsito Brasileiro – Lei 9.503/1997 –, do qual destaca-se:

“Art. 24. Compete aos órgãos e entidades executivos de trânsito dos Municípios, no âmbito de sua circunscrição:
I - cumprir e fazer cumprir a legislação e as normas de trânsito, no âmbito de suas atribuições;
(...)
V - estabelecer, em conjunto com os órgãos de polícia ostensiva de trânsito, as diretrizes para o policiamento ostensivo de trânsito;
VI - executar a fiscalização de trânsito, autuar e aplicar as medidas administrativas cabíveis, por infrações de circulação, estacionamento e parada previstas neste Código, no exercício regular do Poder de Polícia de Trânsito;
VII - aplicar as penalidades de advertência por escrito e multa, por infrações de circulação, estacionamento e parada previstas neste Código, notificando os infratores e arrecadando as multas que aplicar;
VIII - fiscalizar, autuar e aplicar as penalidades e medidas administrativas cabíveis relativas a infrações por excesso de peso, dimensões e lotação dos veículos, bem como notificar e arrecadar as multas que aplicar;”

É um múnus municipal, determinado pelo Código de Trânsito Brasileiro, a fiscalização de trânsito, o que implica a necessidade de o Município se adequar e se estruturar, integrando-se ao Sistema Nacional de Trânsito (art. 24, §2º, CTB), regulado pelo Contran – Conselho Nacional de Trânsito.

Nesse sentido, o Conselho Nacional de Trânsito editou a Resolução nº 166/2004 dispondo:

“Item 2.1.4.1: A integração do município ao Sistema Nacional de Trânsito independe de seu tamanho, receitas e quadro de pessoal. É exigida a criação do órgão de trânsito e da Junta Administrativa de Recursos de Infrações - JARI, à qual cabe julgar os recursos interpostos pelos presumidos infratores."

Não há condicionamento, pois, dessa integração, à existência de pessoal especializado. Poderia, assim, o Município, dentro de suas estruturas já existentes, destacar servidor civil para fins de policiamento de trânsito, cujas atribuições são próprias, com previsão legal específica para tanto.

Deve, portanto, de acordo com o princípio da legalidade administrativa, ser devidamente regulamentada a atuação das guardas municipais e dos agentes de trânsito.

A propósito, há entendimentos afirmando a incompetência das guardas municipais para atuarem na fiscalização de trânsito, inclusive com pareceres do Departamento Nacional de Trânsito - Denatran e Conselho Estadual de Trânsito – Cetran, e decisões judiciais em Mandado de Segurança, que abaixo colaciono:

Departamento Nacional de Trânsito – Parecer nº 247/2005/CGIJF/DENATRAN: "a Guarda Municipal não tem competência para atuar na fiscalização de trânsito incluindo o procedimento relativo à aplicação de multas de trânsito, sob pena de nulidade das mesmas e, igualmente, não possui legitimidade para firmar Convênio com órgãos de trânsito para tal fim"

Conselho Estadual de Trânsito – Deliberação 1, de 24-6-2005-CETRAN: “Não têm competência os integrantes da Guarda Municipal para o exercício da função de agente de trânsito, por força do princípio específico do art. 144, § 8º da Constituição Federal de 1988, devendo cessar sua atividade nesse mister, sem prejuízo dos atos praticados anteriormente, em virtude do entendimento então tolerado pelo Denatran."

TJSP, 9ª Vara da Fazenda Pública/SP, MS nº 583.53.2005.022171-4, MMa. Juíza Simone Gomes Rodrigues Casoretti, j. 27.12.2005:As Guardas Municipais possuem atribuições restritas à proteção dos bens, serviços e instalações do Município, conforme disposição expressão do art. 144, § 8º da Constituição Federal. Não possuem competência para executar a fiscalização do trânsito, tampouco atuar e aplicar as medidas cabíveis em razão de infrações previstas no Código de Trânsito, ou seja, não podem exercer os poderes de Polícia de Trânsito. Constatada a incompetência da Guarda Municipal para o exercício do poder de polícia de trânsito, conforme o elenco taxativo do art. 144 da Constituição Federal, não se reveste de ilegalidade ou abusividade o ato da autoridade impetrada. Ante o exposto, DENEGO A SEGURANÇA, casso a liminar anteriormente concedida e julgo extinto o processo com fundamento no inciso I do art. 269 do Código de Processo Civil.” – Pendente recurso de apelação.

TJSP, 1ª Vara da Fazenda Pública/SP, MS nº 583.53.2006.107381-7, MM. Juiz Ronaldo Frigini, j. 31.05.2006: “De fato, não se exige, para exercer fiscalização de trânsito, poder de polícia ostensiva ou judiciária, que é indubitavelmente vedada à Guarda Municipal, como assevera Alexandre de Moraes (Direito Constitucional, Atlas, São Paulo, 2001, p. 644). Para tanto, basta o exercício da chamada polícia administrativa. Portanto, a questão é saber se a limitação constitucional apenas se refere à polícia administrativa ou também à judiciária. Em primeiro lugar, diga-se desde logo que não é uma divisão absolutamente certa ou estanque essa entre polícia administrativa e judiciária, e não pode, por isso, ser levada a extremos. A questão, na verdade, é saber se a vedação constitucional à atividade da Guarda Municipal importa em vedar a ela o exercício da polícia administrativa, tida como aquela destinada a ‘impor à livre ação dos particulares a disciplina exigida pela vida em sociedade’ (cf. Alexandre de Moraes, op. cit, p. 643), em que indubitavelmente se insere a polícia de trânsito. Ademais, interessa notar que a polícia de trânsito pode ser atividade exercida por qualquer servidor civil, estatutário ou celetista, ou ainda policial militar designado para tanto pela autoridade de trânsito, como permite o artigo 280, § 4º, do CTB. A conclusão, entretanto, é a de que a atribuição de competências à guarda municipal é mais restrita do que a possibilidade de atribuir competência a servidor para fiscalização de trânsito. A restrição, de fato, é constitucional, e hierarquicamente prevalece sobre o permissivo infraconstitucional. Assim, patenteia-se que a competência da guarda municipal é efetivamente restrita à vigilância sobre bens municipais. E vigilância sobre bens municipais não inclui a fiscalização de trânsito, sendo coisa bem diversa, pese a tentativa de asseverar o contrário feita na inicial. Assim, a ordem deve ser denegada, pois não se entrevê ilegalidade na restrição da autoridade impetrada. Pelo exposto, denego a segurança, cassada a liminar.” – Pendente recurso de apelação.

No caso do Município de Itu, verifica-se que a Lei Municipal nº 2827/1986 (fls. 58/61), que instituiu a Guarda Municipal de Itu, definiu no seu artigo 1º as atribuições desse órgão, entre elas a “fiscalização, controle e policiamento do trânsito dentro do território do município de Itu” e a “aplicação de multas por infração de trânsito” (alíneas “a” e “b”). Tais atribuições foram mantidas no regulamento específico – Decreto Municipal nº 2212/1986 (fls. 82/93).

Esses diplomas legais, anteriores à Constituição Federal de 1988, sofreram modificações até que em 1999 foi editada a Lei Municipal nº 4332, que dispôs sobre a estrutura administrativa da Guarda Civil Municipal (fls. 63/78).

Todavia, essa Lei também definiu como atribuição da GM:

“Art. 1º, inciso II – Executar, como agente fiscalizadora de trânsito, a fiscalização de trânsito, autuar e aplicar as medidas administrativas cabíveis, por infrações de circulação, estacionamento, parada, excesso de peso, dimensões e lotação de veículos, previstas no Código de Trânsito Brasileiro;”

Percebe-se que a legislação municipal até então se encontrava em dissonância com a regulamentação nacional, situação que persiste, ao menos no plano normativo.

Na prática, existe no quadro funcional da administração pública municipal o cargo de agente de trânsito, mas atualmente composto por guardas municipais designados para atuação exclusiva como “agentes da autoridade de trânsito” (portarias juntadas aos autos).

Tais designações fundamentaram-se no artigo 280, §4º, da Lei nº 9.503/1997 – Código de Trânsito Brasileiro, in verbis:

“§ 4º O agente da autoridade de trânsito competente para lavrar o auto de infração poderá ser servidor civil, estatutário ou celetista ou, ainda, policial militar designado pela autoridade de trânsito com jurisdição sobre a via no âmbito de sua competência.”

Ora, o texto é claro ao dispor que “policiais militares” poderão ser designados para a fiscalização de trânsito, com competência para aplicação de infrações e multas, e não o “guarda municipal”. Este, apesar de servidor municipal, seja estatutário ou celetista, têm suas funções específicas, disciplinadas desde nível constitucional, configurando-se qualquer desvio de atribuição uma afronta à Constituição Federal.

Outrossim, é relevante destacar que o próprio Supremo Tribunal Federal, em setembro de 2011, reconheceu a existência de repercussão nesse tema, quando do julgamento do Recurso Extraordinário nº 637.539/RJ, de relatoria do Ministro Marco Aurélio, assim ementado:

“PODER DE POLÍCIA – IMPOSIÇÃO DE MULTA DE TRÂNSITO – GUARDA MUNICIPAL – REPERCUSSÃO GERAL CONFIGURADA. Possui repercussão geral a controvérsia acerca da possibilidade de aplicação de multa de trânsito por guarda municipal, tendo em vista o disposto no artigo 144, § 8º, da Constituição da República, cujo rol especifica as funções às quais se destinam tais servidores públicos.” (STF, Rep. Geral no RE 637.539/RJ, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 08/09/2011).

Infelizmente, após essa decisão, antes que o mérito fosse apreciado, o então recorrente, Município do Rio de Janeiro, desistiu do recurso, que foi homologado em 13 de outubro de 2011.

Ficou, portanto, sem se pronunciar nossa Suprema Corte, pairando, ainda, a grande controvérsia a respeito das competências das guardas municipais, com decisões judiciais em ambos sentidos.

De qualquer maneira, tendo por norte a supremacia do interesse público, diante das circunstâncias fáticas do Município de Itu, é inviável, até mesmo temeroso, destituir todos os atuais guardas municipais de suas atribuições de fiscalização de trânsito, colocando em risco a segurança dos cidadãos.

Revela-se prudente, portanto, a premente necessidade de realização de concurso público específico para provimento dos cargos de agentes de trânsito, para paulatina, mas constante, substituição dos guardas por servidores com função determinada e, de outro lado, liberando tais guardas municipais para suas atribuições natas.

Via de consequência, não há que se falar em irregularidade no uso de sinalização específica nos veículos da guarda – giroflex e sirene –, indicando preferência em situações de urgência e emergência, de acordo com o art. 29 do Código de Trânsito Brasileiro.[1]

Dessa forma, é necessário que o Município providencie, em tempo adequado, realização de concurso público para provimento dos cargos de agentes de fiscalização de trânsito.


2. Do porte de arma

No tocante ao uso de armas de fogo pelos agentes da guarda municipal, há que se observar, também dentro das peculiaridades locais, a existência de salvo conduto expedido pelo Poder Judiciário, em procedimento judicial especialmente instaurado.

A decisão proferida nos autos do Habeas Corpus nº 857/2009 (fls. 44/49) foi, inclusive, confirmada pelo E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em reexame necessário (fls. 50/53).

Entretantoe isto é importante frisar –, a ordem judicial concedida abarca a utilização de armas de fogo exclusivamente pelos guardas municipais, ou seja, aqueles servidores municipais incumbidos de tais atribuições. A contrário senso, é inadmissível que agentes de trânsito portem armas de fogo, ainda que tal função esteja sendo exercida por guardas municipais designados.

Com efeito, considerando que as portarias juntadas aos autos, que designam “com exclusividade” os servidores ali relacionados para atuação como “agentes da autoridade de trânsito”, não há mais que se falar no exercício cumulativo da atividade de guarda municipal, a necessitar a utilização de uma arma de fogo.

Portanto, nessa esteira, também recomenda-se que os servidores municipais, enquanto no exercício de atividades específicas de agentes de trânsito, não portem qualquer tipo de arma de fogo.


3. Da atividade de policiamento e realização de abordagens e flagrantes

Quanto à atividade típica de policiamento (não se confundindo com o poder de polícia administrativa), deve-se buscar embasamento também no texto constitucional.

O artigo 144 da Constituição Federal dispõe sobre os órgãos incumbidos da segurança pública, entre eles as polícias civis e militares, excluídas as guardas municipais (§8º), cuja atribuição é proteger os bens, serviços e instalações públicas municipais.

Aliás, leciona José Afonso da Silva que:

“Os constituintes recusaram várias propostas no sentido de instituir alguma forma de polícia municipal. Com isso, os Municípios não ficaram com nenhuma específica responsabilidade pela segurança pública. Ficaram com a responsabilidade por ela na medida em que sendo entidade estatal não podem eximir-se de ajudar os Estados no cumprimento dessa função” [2]


E qualquer desvio das funções ou extrapolação dos meios empregados deverá ensejar, por certo, as medidas administrativas, civis e criminais adequadas.

Com efeito, José Afonso da Silva também esclarece, referindo-se à proteção de bens e serviços públicos:

“Aí certamente está uma área que é de segurança: assegurar a incolumidade do patrimônio municipal, que envolve bens de uso comum do povo, bens de uso especial e bens patrimoniais, mas não é de polícia ostensiva, que é função exclusiva da Polícia Militar.” [3]


Contudo, a vedação ao policiamento ostensivo das guardas municipais nãos lhes retira competência preventiva e restaurativa da ordem pública. Esta proteção demanda atitude pró-ativa, e não inerte. Não por menos, é parte integrante e colaborativa da segurança pública, relembrando, dentro dos peculiares interesses locais.

Portanto, é legal e regular o patrulhamento das guardas com vistas a coibir danos ao patrimônio público e violações aos serviços públicos, dentro dos limites de suas atribuições, conforme dispuser a lei.

A questão de abordagens de suspeitos é um exercício do dever funcional de proteção da ordem pública, aí incluído, se necessário, o uso de força e dos recursos necessário para coibir práticas criminosas, entre estes a realização de buscas pessoais e apreensão de armas e objetos ilícitos, nos limites legais.

Seria desproporcional – e, ademais, um descuido com a segurança da sociedade – exigir-se do agente da guarda municipal, diante de atitude suspeita, uma postura de inércia, limitando-se a comunicar os fatos à autoridade de polícia ostensiva.


CONCLUSÕES

Diante dos fundamentos aqui trazidos, suficiente para manter a regularidade das atribuições das Guardas Municipais as seguintes recomendações:

a) realizar concurso público para provimento dos cargos específicos de agentes de trânsito;

b) com a nomeação e posse desses novos servidores concursados, restituir às funções originais os guardas municipais atualmente designados para a fiscalização do trânsito;

c) zelar para que os agentes de trânsito, quando no exercício dessa atribuição determinada, não portem qualquer tipo de arma de fogo, ainda que se trate de guarda civil designado cumulando funções.

Por fim, a inércia da Administração Pública na observância das recomendações poderá ensejar diligências para apuração de responsabilidades, bem como eventual ajuizamento de ação civil pública.



[1] “Art. 29. O trânsito de veículos nas vias terrestres abertas à circulação obedecerá às seguintes normas: (...) VII - os veículos destinados a socorro de incêndio e salvamento, os de polícia, os de fiscalização e operação de trânsito e as ambulâncias, além de prioridade de trânsito, gozam de livre circulação, estacionamento e parada, quando em serviço de urgência e devidamente identificados por dispositivos regulamentares de alarme sonoro e iluminação vermelha intermitente, observadas as seguintes disposições:”
[2] SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 23ª ed., rev. e atual. São Paulo, Malheiros: 2004, p. 761/762.
[3] Idem, ibidem, p. 762.

Parecer: matrícula escolar de criança antes da idade

Parecer exarado em Mandado de Segurança contra ato de diretor de escola que negou matrícula a criança sob fundamento de que normas do Conselho Estadual de Educação fixaram idades limites para o ingresso nas respectivas faixas escolares da pré-escola e ensino fundamental.

Juliano de Camargo
Bacharel em Direito, pós-graduado em Direito Público, Assistente Jurídico do MPSP



L., menor representada por seus pais, impetrou Mandado de Segurança, com pedido de liminar, contra ato do Secretário Estadual de Educação do Estado de São Paulo, da Supervisora de Ensino da Delegacia Regional de Ensino, do Dirigente Regional de Ensino da Diretoria de Ensino de Itu e da Diretora do Colégio X, que indeferiu sua matrícula na primeira fase da pré-escola, no anos letivo de 2011, baseado na Deliberação 73/2008 do Conselho Estadual de Educação e Pareceres 248/2010 e 588/2010, também do Conselho Estadual de Educação.

Tais disposições estabeleciam que somente fossem admitidas a cursar a primeira fase da pré-escola crianças que completassem quatro anos de idade até o dia 30 de junho de 2011, o que não é o caso da impetrante, que completaria a idade apenas em setembro.

Sustentou a impetrante violação à Constituição Federal, art. 208, incisos I e V, ao Estatuto da Criança e do Adolescente, art. 53, e à Lei de Diretrizes e Bases da Educação, Lei nº 9.394/96, artigos 29 e 30 e pleiteou, liminarmente, sua matrícula no ciclo educacional acima citado e, ao final, a concessão da segurança.

Juntou documentos a fls.

Foi deferida liminar para autorizar a matrícula da impetrante na primeira fase da pré-escola no ano letivo de 2011, o que foi efetivado, conforme comprovado a fls.

As autoridades coatoras foram notificadas, tendo prestado informações apenas a Dirigente Regional de Ensino e o Secretário Estadual de Educação.

Sinteticamente, a Dirigente da Regional argumentou que a vedação da matrícula na pré-escola, primeira fase, àquelas crianças que completariam quatro anos de idade no segundo semestre, fundamenta-se em atos normativos expedidos pelo Conselho Estadual de Educação – CEE e pareceres do Conselho Nacional de Educação e Conselho de Educação Básica – CNE/CES. Informou, ainda, que tais expedientes normativos foram baseados em estudos científicos que identificaram a capacidade cognitiva das crianças de acordo com a faixa etária.

O Secretário Estadual de Educação alegou, preliminarmente, incompetência do Juízo e ilegitimidade passiva, por ausência de ato ou omissão específico seus. No mérito, além dos pontos levantados pela Dirigente Regional de Educação de Itu, acrescentou o Secretário a inexistência de direito líquido e certo ou de urgência do pedido.

A Fazenda do Estado de São Paulo foi admitida no polo passivo da ação e agravou da decisão que concedeu a liminar, tendo o Tribunal de Justiça negado provimento ao recurso.

Foi, assim, aberta vista para manifestação.

É o breve relato.

Em sede preliminar, cumpre ressaltar que o presente writ tem por fundamento a negativa de matrícula em escola particular, ato, portanto, praticado por pessoa jurídica de direito privado no exercício de atribuição específica do Estado, daí a possibilidade do remédio constitucional.

Por conseguinte, tratando-se de educação pré-primária, a teor do disposto no artigo 18, inciso II, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei nº 9.394/1996), as instituições de educação infantil criadas e mantidas pela iniciativa privada estão compreendidas no âmbito dos sistemas municipais de educação, o que, em princípio, afastaria do polo passivo o Secretário Estadual de Educação do Estado de São Paulo, tal qual suscitado em preliminar de ilegitimidade passiva.

De outro lado, a negativa fundamentou-se na Deliberação do Conselho Estadual de Educação nº 73/2008, o qual regulamenta a o ensino fundamental no “sistema estadual de ensino” e, “em regime de colaboração, nos sistemas municipais de ensino”.

Portanto, adotando-se a teoria da encampação no mandado de segurança, tendo em conta que o ato expedido pelo Conselho Estadual de Educação, subordinado à Secretaria Estadual de Educação, vincula-se a seu representante de hierarquia superior, o Sr. Secretário Estadual de Educação, não há que se falar em ilegitimidade passiva suscitada.

Admitida, pois, a possibilidade de impetração da segurança em face de ato geral praticado por essa autoridade – o Secretário Estadual de Educação – resta a segunda preliminar de incompetência do Juízo.

Neste particular, em que pese a competência constitucional material comum entre União, Estados e Municípios quanto à educação (art. 23, V, CF), é evidente que a hipótese dos autos trata de litisconsórcio passivo facultativo, já que a concessão da segurança em nada afetará a esfera jurídica da Fazenda do Estado, por restringir-se a matrícula em específico estabelecimento de ensino particular.

Dessa maneira, ainda que a competência no mandado de segurança se determine conforme o grau e sede da autoridade apontada como coatora, no presente caso, diante do litisconsórcio, há que se aplicar a regra do artigo 94, § 4º, do Código de Processo Civil, facultando-se à impetrante a escolha da comarca para ajuizamento da ação.

Nem haveria de se cogitar, por oportuno o destaque, que os efeitos da sentença dependeriam da intimação de todos os litisconsortes, eis que o remédio constitucional eleito não se trata, propriamente, da composição de uma lide, pois as chamadas autoridades coatoras se limitam a prestar informações que possam subsidiar a cognição sumária, independente de dilação probatória, do quanto alegado na inicial, quando patente o direito líquido e certo.

As demais matérias elencadas nas informações prestadas pelo Secretário Estadual de Educação, confundem-se com o mérito do pedido, razão pela qual são apreciados no deslinde desta manifestação.

Superadas, pois, as preliminares aventadas, passo ao mérito.

A segurança deve ser concedida.

Faz-se necessário, em primeiras linhas, traçar o arcabouço legal pertinente à matéria.

Preceitua o art. 205 da Constituição Federal:

“Art. 205 - A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.” (grifamos)

Também a Lei Maior determina como princípios norteadores do ensino, entre outros, a igualdade de condições para o acesso e permanência na escola e a liberdade de aprender, ensinar e pesquisar (art. 206, incisos I e II, da Constituição Federal, com grifos nossos).

Tais princípios também são reproduzidos no art. 3º da Lei nº 9.394/1996 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação, a qual delineia os aspectos pertinentes à educação infantil, fundamental, média e superior.

No tocante à educação infantil, em especial – foco da segurança ora pleiteada pela impetrante –, destaco que a Lei de Diretrizes e Bases explicita, in verbis:

“Art. 29. A educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade.” (grifamos)

A mesma norma também define que a educação infantil será oferecida em pré-escolas para crianças de quatro a seis anos de idade (art. 30, inciso II, da Lei nº 9.394/1996).

Verifica-se, portanto, que nem a Constituição Federal, nem norma infraconstitucional, delimita critérios estáticos para acesso das crianças à educação; ao contrário, a prioridade é, antes, buscar o desenvolvimento integral do indivíduo, atentando-se, ademais, às peculiares condições de pessoa em desenvolvimento, conforme principiologia abarcada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.

É certo que atos normativos de competência do Conselho Nacional de Educação ou das Secretarias Estaduais de Educação buscam estabelecer parâmetros mínimos, através de Resoluções e Deliberações, norteadores das políticas públicas, parâmetros estes que, contudo, não se pode admitir tenham o escopo de restringir as finalidades precípuas da educação infantil, como o desenvolvimento físico, psicológico e intelectual.

Assim, a delimitação de parâmetros objetivos, tal qual a exigência de idade mínima a ser completada até o meio do ano para matrícula escolar, serve para orientação e fiscalização, mas não pode ser aplicada desarrazoadamente, até porque aqueles atos – Resoluções, Pareceres e Deliberações – não gozam da mesma força normativa das leis, tampouco, e obviamente, da Constituição Federal.

As informações trazidas aos autos dão conta de que as idades mínimas estabelecidas são fruto de estudos científicos que identificam a capacidade cognitiva das crianças, avaliando as possibilidades de adaptação às competências ministradas. É certo, do ponto de vista estatístico e generalizado, não do ponto de vista da individualidade de cada pessoa.

Aqui repousa o princípio da proporcionalidade, aplicável na análise do caso concreto, não em abstrações. Não poderia, nem deveria, o legislador – e assim seguiu bem a Lei de Diretrizes e Bases da Educação – delimitar rígidas regras, eis que cada indivíduo, dentro de suas particularidades e capacidades, terá diferentes potenciais de aprendizagem: alguns mais tardios, outros mais precoces.

Não se está a fomentar a tendência atual de sobrecarga das crianças com compromissos e deveres, tolhendo-lhes o direito de brincar. Pelo contrário, a escola é espaço, além de estudo, também de brincadeiras, de amizade, de crescimento, de maturidade. Quiçá no Brasil todas as crianças e adolescentes estivessem frequentando uma escola!

Neste ponto, peço vênia para externar que não se concebe num Estado democrático de direito como o nosso a intervenção pública sobre os métodos ou critérios da família na condução do ensino dos filhos. Muito mais os pais, com auxílio dos professores, têm condições de avaliar as capacidades cognitivas e intelectuais das crianças, do que acadêmicos ou burocratas.

No presente writ, vê-se que a impetrante já cursou, regularmente e com aproveitamento, a série anterior, estando barrada de prosseguir nos estudos pelo simples fato de completar a idade mínima exigida – quatro anos – apenas no segundo semestre do ano letivo (destaque-se, apenas dois meses da data limite fixada!).

Evidente o cerceamento do direito fundamental à educação da criança, assentando-se a limitação em meros critérios cronológicos, os quais, como brevemente lançado acima, não têm a capacidade de regular as reais condições psicológicas e mentais da criança. É desproporcional e desarrazoado.

Não por menos, descura dos aspectos mais íntimos da criança, pessoa em desenvolvimento e necessitada de toda proteção e amparo, na medida em que ela ou estaria obrigada a cursar novamente a fase maternal – longe das amizades já cultivadas e sopesada por conteúdos repetitivos – ou, ainda mais inaceitável, estaria fora da escola, aguardando um ano inteiro em situação de inércia simplesmente por não possuir requisito “cientificamente discutido”.

Diante do exposto, presente está (e esteve durante toda a eficácia da liminar concedida) o direito líquido e certo da impetrante à matrícula na primeira fase da pré-escola, em respeito aos princípios maiores da dignidade da pessoa humana e da proteção integral à criança, não se podendo coadunar com restrições desproporcionais diante do caso concreto.

A urgência também foi premente na concessão da antecipação dos efeitos da tutela, consubstanciada pela efetivação da matrícula da impetrante.

De outro lado, afigura-se até mesmo inócua e teratológica eventual decisão contrária à liminar já concedida, haja vista o término do ano letivo, já tendo a criança frequentado regularmente a primeira fase do pré-primário.

Com estas razões, respeitosamente, opinamos pela concessão do mandamus, confirmando-se a liminar outrora concedida, como medida de inteira Justiça.

06 de dezembro de 2011.



(por óbvio, as informações das partes e das folhas foram omitidas nesta publicação)

Internalização dos atos internacionais


Internalização dos atos internacionais
Juliano de Camargo
Bacharel em Direito, pós-graduado em Direito Público, Assistente Jurídico do MPSP
Março/2012

A internalização de um tratado ou acordo internacional firmado pelo Brasil tipifica-se como ato complexo: primeiro o Presidente da República, ou um Ministro de Estado com poderes plenipotenciários, firma o tratado internacional, e depois o Congresso Nacional o aprecia, pois detém competência exclusiva para tanto.
No Congresso, cada uma das Casas discute e vota o documento e, caso aprovado, é editado um Decreto Legislativo. Eventuais emendas – a doutrina admite apenas reservas – devem ser reapreciadas pela casa iniciadora.
Editado o Decreto Legislativo, o Presidente da República pode ratificar perante o outro país signatário ou órgão internacional aquele acordo inicial. A partir deste momento o Brasil se obriga internacionalmente. Mas internamente, o acordo só gerará efeitos a partir da expedição de um Decreto Presidencial, assim incorporando, com “status” de norma infraconstitucional, aquele tratado.
Essa é a regra: os tratados internacionais gozam da mesma hierarquia das leis ordinárias. Entretanto, poderão ter “status” de norma constitucional caso versem sobre direitos humanos e sejam aprovados com “quorum” especial de três quintos em dois turnos de votação em cada Casa Legislativa.
No caso apresentado, embora verse sobre direitos fundamentais, não houve aprovação pelo rito especial, razão pela qual o tratado ingressará no ordenamento jurídico no mesmo patamar de uma lei ordinária em geral.
Contudo, o Supremo Tribunal Federal assentou entendimento de que os tratados internacionais sobre direitos humanos, embora aprovados pelo “quorum” simplificado, são normas infraconstitucionais, porém supralegais, ou seja, de hierarquia superior às leis ordinárias.

CPI


CPI
Juliano de Camargo
Bacharel em Direito, pós-graduado em Direito Público, Assistente Jurídico do MPSP
Março/2012

A Comissão Parlamentar de Inquérito, CPI, é espécie de comissão temporária do Senado Federal, Câmara dos Deputados ou Congresso Nacional – neste caso Comissão Mista – dotada de poderes de investigação próprios das autoridades judiciárias, podendo determinar a quebra de sigilos fiscal, telefônico ou de dados, inquirir testemunhas e requisitar informações e documentos necessários e pertinentes à matéria objeto de sua investigação.
Esses poderes, contudo, não são totais, dada a reserva de jurisdição do Poder Judiciário. Dessa forma, as CPIs não podem realizar escutas telefônicas, busca e apreensão domiciliar, prisões (exceto hipóteses de prisão em flagrante).
As CPIs, reconhecidamente um direito das minorias parlamentares, são criadas por requerimento de um terço dos membros da Casa respectiva (ou um terço de cada Casa na hipótese de Comissão Mista), e têm importante destaque no papel fiscalizatório do Poder Legislativo sobre os atos do Poder Executivo, podendo convocar Ministros de Estado e outras diretamente subordinadas ao Presidente de República, bem como colher declarações de cidadãos e testemunhas sobre fato certo.
Aliás, fato certo e determinado compõe a lista dos requisitos para criação de uma CPI, que inclui ainda: delimitação de prazo certo para conclusão dos trabalhos, podendo ser prorrogado, limitado à legislatura; número de membros; e limite de despesas, conforme previsão orçamentária.
Por fim, importante destacar que a conclusão da CPI quanto a existência de indícios de responsabilidade civil ou penal do investigado, é encaminhada ao Ministério Público ou às autoridades competentes, as quais deverão comunicar, em trinta dias, as providências tomadas, e a cada seis meses, o andamento do procedimento porventura instaurado.

Características da Constituição Federal



Características da Constituição Federal
Juliano de Camargo
Bacharel em Direito, pós-graduado em Direito Público, Assistente Jurídico do MPSP
Março/2012

A atual Constituição Federal de 1988 pode ser classificada como dogmática, escrita, promulgada, material-formal e de caráter super-rígido.
É dogmática porque reflete os anseios e as necessidade de diferentes grupos políticos e socioideológicos, abarcando a estruturação do Estado e dos Poderes, os direitos fundamentais e sociais, a ordem social, econômica e tributárias, bem como a tutela aos grupos sociais minoritários e vulneráveis.
Embora alguns pontos do texto da Carta Magna sejam tidos por apenas formalmente constitucionais, tudo o que está expresso na Constituição Federal é considerado norma superior, daí a característica de conteúdo formal e materialmente constitucional.
Quanto à forma, é escrita, composta de um corpo único e uniforme.
Foi também promulgada, após ampla deliberação política, com participação democrática da sociedade, formada a partir de um poder constituinte originário, ilimitado e inovador, na época representado pela Assembleia Nacional Constituinte, composta de representantes eleitos pelo povo.
Por fim, com relação à estabilidade, a chamada “Constituição Cidadã” é considerada super-rígida, pois possui um núcleo imutável – as chamadas cláusulas pétreas – que não podem ser modificados sequer por emenda. As demais normas, de seu turno, só são passíveis de alteração por processo legislativo rígido, com aprovação por dois terços dos membros de cada Casa Legislativa do Congresso Nacional, em dois turnos de votação.

Responsabilidade Legiferante


Responsabilidade Legiferante
Juliano de Camargo
Bacharel em Direito, pós-graduado em Direito Público, Assistente Jurídico do MPSP
Março/2012

A atividade legiferante afigura-se como meio de inovação do ordenamento jurídico, afetando a sociedade e regulando as liberdades pessoais, o que demanda responsabilidade e preparo dos envolvidos em seu processo.
Dado o poder transformador de um ato normativo, a Constituição Federal estabelece institutos que buscam regular a produção de leis (processo legislativo) e limitar a atuação do legislador (cláusulas pétreas, competências, “quorum” especial para determinadas matérias), além do sistema bicameral – que permite maior debate político e a revisão das decisões de uma Casa pela outra – e o controle de constitucionalidade, exercido prévia ou posteriormente à entrada da lei no ordenamento jurídico.
Entretanto, é o texto da própria lei o ponto fundamental da responsabilidade do agente iniciador, que deve expor com clareza, coesão e objetividade a matéria proposta e sua regulação. Uma lei mal redigida, com termos extremamente técnicos ou de domínio limitado, a presença de ambiguidades, impropriedades ou incorreções, podem levar o ato normativo a contrariar o sistema legal ou a constituição, quando não, cair em descrédito, o que desvaloriza a atuação do legislador.
Assim, o conhecimento das técnicas da boa redação, aliado ao estudo das demandas sociais e dos limites legais e constitucionais vigentes, evitando-se inconstitucionalidades e antinomias, é que permite à atividade legiferante editar normas com responsabilidade.

Medida Provisória


Medida Provisória
Juliano de Camargo
Bacharel em Direito, pós-graduado em Direito Público, Assistente Jurídico do MPSP
Março/2012

A Constituição Federal da 1988 prevê a possibilidade do Presidente da República, em casos de relevância e urgência, editar Medidas Provisórias, atos normativos com força de lei que entram em vigor na data de sua publicação, mas que devem ser submetidos à apreciação do Congresso Nacional, o qual deverá fazê-lo no prazo de 45 dias, sob pena de serem sobrestadas todas as demais matérias em trâmites na Casa respectiva.
No Congresso, é designada uma Comissão Mista para analisar a Medida Provisória em seus pressupostos constitucionais, sua adequação orçamentária e financeira e, por fim, seu mérito. O parecer dessa Comissão é enviado para discussão e votação primeiramente para Câmara dos Deputados e depois segue para o Senado Federal.
Ambas as Casas – Senado e Câmara – podem apresentar emendas à Medida Provisória, que neste caso demandará a apresentação de um Projeto de Lei de Conversão. Essas emendas, se propostas e aprovadas no Senado, retornam para a Câmara, que as apreciará, exclusivamente, vedadas novas emendas ou subemendas.
Uma Medida Provisória vige por 60 dias, sendo automaticamente prorrogada por mais 60 dias, até que se ultime a votação ou finde seu prazo de validade. Entretanto, a partir do 46º dia de sua publicação, ocorre o trancamento da pauta da Casa Legislativa em que estiver tramitando se ainda não tiver sido apreciada.
Decorrido o prazo total de 120 dias sem votação, a Medida Provisória perde sua eficácia.
Nos casos de decurso do prazo sem apreciação, rejeição ou aprovação com emendas, o Congresso Nacional deverá expedir um Decreto Legislativo para regular as relação jurídicas concretizadas sob a vigência da Medida Provisória. Se não for editado tal decreto, os efeitos daquela Medida permanecerão válidos.

Tramitação em Regime de Urgência


Tramitação em Regime de Urgência
Juliano de Camargo
Bacharel em Direito, pós-graduado em Direito Público, Assistente Jurídico do MPSP
Março/2012

A Constituição Federal autoriza o Presidente da República a solicitar, nos projetos de lei de sua iniciativa, regime de urgência, quando então cada Casa Legislativa terá o prazo de 45 dias para discutir e votar a matéria, sob pena de sobrestamento das demais proposições daquela câmara, à exceção de matérias com prazo constitucionalmente definido.
Uma vez aprovado pela Câmara dos Deputados, o projeto de lei segue para o Senado, onde a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) e as demais comissões temáticas pertinentes irão apreciar a matéria concomitantemente, e não de forma sucessiva como descrito na hipótese da questão.
Em Plenário, já não são permitidas emendas de mérito, apenas de correção textual, sempre com manifestação da CCJ.
Quanto às emendas para aumento de despesa, a Constituição Federal as veda se não houver previsão orçamentária nem indicação da origem dos recursos nos projetos de lei de iniciativa privativa do Presidente da República. No caso apresentado, não se trata de iniciativa privativa, mas geral, portanto seria possível aumentar as despesas, desde que compatíveis com as leis orçamentárias.
Por fim, o projeto de lei aprovado com emendas deve retornar à Câmara dos Deputados que terá o prazo de dez dias para deliberar, exclusivamente, sobre as alterações.

Aprovação de nome para Procurador-Geral da República


Aprovação de nome para Procurador-Geral da República
Juliano de Camargo
Bacharel em Direito, pós-graduado em Direito Público, Assistente Jurídico do MPSP
Março/2012

A escolha do nome para Procurador-Geral da República compete privativamente ao Presidente da República, mas a nomeação deve ser aprovada, por voto secreto, pela maioria absoluta dos membros do Senado Federal, após arguição pública. Acrescente-se que a apreciação também pode ser precedida de investigação e requisição de informações complementares da pessoa nomeada.
Essa aprovação – embora seja submetida a prévia análise pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, também em seção pública e voto secreto –, é matéria reservada exclusivamente ao Plenário do Senado, vedada a delegação “interna corporis”.
Assim, a arguição em seção secreta, o voto ostensivo e a apreciação terminativa descritos na questão, estão em desacordo com as normas constitucionais e regimentais pertinentes.

Imunidade Parlamentar e crime de racismo


Imunidade Parlamentar e crime de racismo
Juliano de Camargo
Bacharel em Direito, pós-graduado em Direito Público, Assistente Jurídico do MPSP
Março/2012

A imunidade parlamentar de caráter material, conforme previsão constitucional, estabelece que os Deputados e Senadores, enquanto no exercício do mandato eletivo, são invioláveis civil e criminalmente por suas palavras, opiniões e votos. A doutrina ressalva, porém, a necessidade dessas manifestações estarem relacionadas com as atribuições do cargo.
No caso apresentado, o Senador, embora suplemente, estava em efetivo exercício do mandato, já que o titular estava afastado para exercer cargo de Ministro de Estado. E as ofensas de cunho racista foram proferidas durante discurso do parlamentar. José da Silva, portanto, está acobertado pela imunidade material e pelo crime de injúria qualificada pelo racismo não será condenado, sequer investigado.
Entretanto, esse Senador não estará isento de um possível processo disciplinar por quebra do decoro parlamentar. Isso porque uma das hipóteses de violação do decoro é o abuso das prerrogativas parlamentares, o que nitidamente ocorreu no caso em tela, dada a desnecessidade de a denúncia atrelar o esquema de corrupção à origem étnica dos supostos envolvidos.
O julgamento desse processo disciplinar é de competência do Plenário do Senado Federal – após análise da representação pelo Conselho de Ética Parlamentar – devendo a sanção de perda do mandato ser aprovada pela maioria absoluta dos membros da casa.

Mecanismos constitucionais de fiscalização do Poder Legislativo


Mecanismos constitucionais de fiscalização do Poder Legislativo
Juliano de Camargo
Bacharel em Direito, pós-graduado em Direito Público, Assistente Jurídico do MPSP
Março/2012

A Constituição Federal de 1988 atribuiu ao Poder Legislativo, além da função legislativa, a fiscalizatória, classificada em político-administrativa ou financeiro-orçamentária.
Com relação à primeira dessas classificações, destaca-se a atuação das Comissões Parlamentares de Inquérito, que detém poderes de investigação próprios das autoridades judiciais para apurar fatos determinados, por prazo certo. Suas conclusões, se for o caso, serão remetidas ao Ministério Público para responsabilização civil, administrativa ou criminal, caso detectada a prática de ilícitos, ou ainda poderão culminar com uma proposição legislativa específica.
Dentre as competências da CPI, assim como das Comissões em geral ou do Plenário do Senado ou da Câmara, há a possibilidade de convocação de Ministros de Estado ou autoridades subordinadas à Presidência da República para prestarem esclarecimentos sob suas atribuições, como forma de controle, acompanhamento das políticas governamentais e sua fiscalização.
Já na esfera financeiro-orçamentária, cabe ao Congresso Nacional, com apoio do Tribunal de Contas da União, julgar as contas apresentadas anualmente pelo Presidente da República, bem como apreciar os programas e planos de governo, setoriais e regionais, da administração pública direta ou indireta, ou de qualquer entidade de receba ou gerencie recursos públicos.
Destaque-se, por fim, que tais mecanismos presentes na esfera federal, são reproduzidos nos Poderes Legislativos Distrital, Estaduais e Municipais, com as necessárias adaptações.
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Outras funções ligadas à fiscalização:
Art. 49. Competências do CN:
IX - julgar anualmente as contas prestadas pelo Presidente da República e apreciar os relatórios sobre a execução dos planos de governo;
X - fiscalizar e controlar, diretamente, ou por qualquer de suas Casas, os atos do Poder Executivo, incluídos os da administração indireta;

Art. 50. A Câmara dos Deputados e o Senado Federal, ou qualquer de suas Comissões, poderão convocar Ministro de Estado ou quaisquer titulares de órgãos diretamente subordinados à Presidência da República para prestarem, pessoalmente, informações sobre assunto previamente determinado, importando crime de responsabilidade a ausência sem justificação adequada.

Art. 51. Competências da CD:
II - proceder à tomada de contas do Presidente da República, quando não apresentadas ao Congresso Nacional dentro de sessenta dias após a abertura da sessão legislativa;
XV - avaliar periodicamente a funcionalidade do Sistema Tributário Nacional, em sua estrutura e seus componentes, e o desempenho das administrações tributárias da União, dos Estados e do Distrito Federal e dos Municípios.

Art. 58, §2º - Competência das Comissões:
VI - apreciar programas de obras, planos nacionais, regionais e setoriais de desenvolvimento e sobre eles emitir parecer.

CPI: § 3º - As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores.

Art. 102-A.  À Comissão de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização e Controle, além da aplicação, no que couber, do disposto no art. 90 e sem prejuízo das atribuições das demais comissões, compete:
I – exercer a fiscalização e o controle dos atos do Poder Executivo, incluídos os da administração indireta, podendo, para esse fim:
a) avaliar a eficácia, eficiência e economicidade dos projetos e programas de governo no plano nacional, no regional e no setorial de desenvolvimento, emitindo parecer conclusivo;
b) apreciar a compatibilidade da execução orçamentária com os planos e programas governamentais e destes com os objetivos aprovados em lei;
c) solicitar, por escrito, informações à administração direta e indireta, bem como requisitar documentos públicos necessários à elucidação do ato objeto de fiscalização;
d) avaliar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo poder público federal, notadamente quando houver indícios de perda, extravio ou irregularidade de qualquer natureza de que resulte prejuízo ao Erário;
e) providenciar a efetivação de perícias, bem como solicitar ao Tribunal de Contas da União que realize inspeções ou auditorias de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial nas unidades administrativas da União e demais entidades referidas na alínea d;
f)  apreciar  as  contas  nacionais  das  empresas  supranacionais  de  cujo capital social a União participe de forma direta ou indireta, bem assim a aplicação  de  quaisquer  recursos  repassados  mediante  convênio,  acordo, ajuste ou outros instrumentos congêneres, a Estado, ao Distrito Federal ou a Município;
g) promover a interação do Senado Federal com os órgãos do Poder Executivo que, pela natureza de suas atividades, possam dispor ou gerar dados de que necessite para o exercício de fiscalização e controle;
h) promover a interação do Senado Federal com os órgãos do Poder Judiciário e do Ministério Público que, pela natureza de suas atividades, possam propiciar ou gerar dados de que necessite para o exercício de fiscalização e controle;
i) propor ao Plenário do Senado as providências cabíveis em relação aos resultados da avaliação, inclusive quanto ao resultado das diligências realizadas pelo Tribunal de Contas da União;

Parágrafo único.  No exercício da competência de fiscalização e controle prevista no inciso I deste artigo, a Comissão de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização e Controle:
I – remeterá cópia da documentação pertinente ao Ministério Público, a fim de que este promova a ação cabível, de natureza cível ou penal, se for constatada a existência de irregularidade;
II – poderá atuar, mediante solicitação, em colaboração com as comissões permanentes e temporárias, incluídas as comissões parlamentares de inquérito, com vistas ao adequado exercício de suas atividades. (NR)

Art. 102-B.  A fiscalização e o controle dos atos do Poder Executivo, incluídos os da administração indireta, pela Comissão de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização e Controle, obedecerão às seguintes regras:
I – a proposta de fiscalização e controle poderá ser apresentada por qualquer membro ou Senador à Comissão, com específica indicação do ato e fundamentação da providência objetivada;
II – a proposta será relatada previamente, quanto à oportunidade e conveniência da medida e ao alcance jurídico, administrativo, político, econômico,  social  ou  orçamentário  do  ato  impugnado,  definindo-se  o  plano  de execução e a metodologia de avaliação;
III – aprovado o relatório prévio pela Comissão, o relator poderá solicitar os recursos e o assessoramento necessários ao bom desempenho da Comissão, incumbindo à Mesa e à Administração da Casa o atendimento preferencial  das  providências  requeridas.  Rejeitado  o  relatório,  a  matéria será encaminhada ao Arquivo;
IV – o relatório final da fiscalização e controle, em termos de comprovação da legalidade do ato, avaliação política, administrativa, social e econômica de sua edição, e quanto à eficácia dos resultados sobre a gestão orçamentária, financeira e patrimonial, obedecerá, no que concerne à tramitação, as normas do artigo 102-C.
Parágrafo único.  A Comissão, para a execução das atividades de que trata este artigo, poderá solicitar ao Tribunal de Contas da União as providências ou informações previstas no art. 71, IV e VII, da Constituição Federal. (NR)

Art. 102-C.  Ao termo dos trabalhos, a Comissão apresentará relatório circunstanciado, com suas conclusões, que será publicado no Diário do Senado Federal e encaminhado:
I – à Mesa, para as providências de alçada desta, ou ao Plenário, oferecendo, conforme o caso, projeto de lei, de decreto legislativo, de resolução ou indicação;
II – ao Ministério Público ou à Advocacia-Geral da União, com cópia da do-cumentação, para que promova a responsabilidade civil ou criminal por infrações apuradas e adote outras medidas decorrentes de suas funções institucionais;
III – ao Poder Executivo, para adotar as providências saneadoras de caráter disciplinar e administrativo decorrentes do disposto no art. 37, §§ 2 o  a 6 o , da Constituição Federal, e demais disposições constitucionais e legais aplicáveis;
IV – à comissão permanente que tenha maior pertinência com a maté-ria, a qual incumbirá o atendimento do prescrito no inciso III;
V – à Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização e ao Tribunal de Contas da União, para as providências previstas no art. 71 da Constituição Federal.