quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Competência para ação de interdição: perpetuatio jurisdictionis ou interesse do incapaz?


Competência para ação de interdição: perpetuatio jurisdictionis ou interesse do incapaz?

Juliano de Camargo
Bacharel em Direito e Assistente Jurídico do Ministério Público do Estado de São Paulo
Outubro/2011

Interdição é instituto jurídico voltado à proteção da pessoa maior, porém incapaz, e seu patrimônio, nomeando-lhe um curador responsável pelos cuidados e economias, mediante fiscalização do Juízo e do Ministério Público.

Assim está disposto no Código Civil:

Art. 1.767. Estão sujeitos a curatela:
I - aqueles que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para os atos da vida civil;
II - aqueles que, por outra causa duradoura, não puderem exprimir a sua vontade;
III - os deficientes mentais, os ébrios habituais e os viciados em tóxicos;
IV - os excepcionais sem completo desenvolvimento mental;
V - os pródigos.

Art. 1.768. A interdição deve ser promovida:
I - pelos pais ou tutores;
II - pelo cônjuge, ou por qualquer parente;
III - pelo Ministério Público.

A questão central do presente estudo é quanto ao foro competente para o ajuizamento da ação de interdição.

Seguindo-se a regra prevista no artigo 94 do Código de Processo Civil, as ações pessoais devem ser propostas, em regra, no foro do domicílio do réu, na hipótese do presente caso, do interditando.

E o artigo 87, também do Código de Processo Civil, dispõe que as modificações posteriores são irrelevantes são se suprimirem órgão jurisdicional ou provocarem alteração de competência em razão da matéria ou da hierarquia. Este é o princípio da perpetuatio jurisdictionis.

Interpretando os dispositivos, ajuizada ação de interdição no domicílio do interditando, o que ocorreria caso ele viesse a ser internado, porventura, em caráter definitivo, em hospital, asilo ou casa de recuperação, por exemplo, em Comarca distante do foro original onde foi proposta a demanda?

Ora, também é de se conciliar a necessidade do Juiz, bem como do Promotor com atribuições pertinentes aos interesses dos incapazes e deficientes, ter condições e meios eficazes de fiscalizar a atuação do curador, assim como a situação do interessado, afinal, parte vulnerável.

Haverá, nesse panorama, nítida sobreposição de atribuições envolvendo a Magistratura e a Promotoria das Comarcas onde tramita a ação e do domicílio do interditando.

Indagação interessante, também, seria a hipótese de modificação ou substituição da curatela: qual o juízo competente para apreciar o pedido? Da ação original ou do atual domicílio do incapaz?

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, decidindo conflito de competência, determinou aplicação do artigo 87 do Código de Processo Civil, reforçando a tese de que a jurisdição não seria passível de alteração superveniente:

“CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA - Ação de Interdição. Competência do foro do domicílio do interditando. Alteração superveniente. Irrelevância. Aplicação do artigo 87 do CPC. Conflito Procedente. Competência do Juízo onde o incapaz estava domiciliado ao tempo da propositura da demanda.” (TJSP, CC 3289795020108260000-SP, Rel. Des. Reis Kuntz, j. 02/05/2011).

Por oportuno destacar que, não raras vezes, aliás muito comum na praxe forense, que os pedidos de interdição sejam ajuizados pelo cônjuge que vê seu consorte acometido de alguma doença degenerativa neurológica que aparece apenas em idade avançada, como Parkinson ou Alzheimer. Nesses casos, por evidente, ambas as partes – curador e curatelado – são idosos, havendo que se preservar, também, seus interesses individuais pertinentes à condição da idade.

Aliado a este último ponto, também comuníssimo que as interdições venham cumuladas com pedido de curatela provisória, tendo em vista a necessidade do cônjuge praticar atos relacionados a proventos de aposentadoria ou outros benefícios previdenciários.

A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça teve oportunidade de se manifestar acerca da superação do princípio da perpetuatio jurisdictionis para privilegiar o interesse maior do incapaz:

“PROCESSO CIVIL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO DE INTERDIÇÃO. SUBSTITUIÇÃO DO CURADOR. MELHOR INTERESSE DO INCAPAZ. PRINCÍPIO DO JUÍZO IMEDIATO. FORO DE DOMICÍLIO DO INTERDITO. COMPETÊNCIA DO JUÍZO SUSCITADO.
1. Irrelevante, na espécie, a discussão acerca da incidentalidade ou autonomia do pedido de substituição de curador, pois em ambos os casos a conclusão a que se chega é a mesma.
2. Em se tratando de hipótese de competência relativa, o art. 87 do CPC institui, com a finalidade de proteger a parte, a regra da estabilização da competência (perpetuatio jurisdictionis), evitando-se, assim, a alteração do lugar do processo, toda a vez que houver modificações supervenientes do estado de fato ou de direito.
3. Nos processos de curatela, as medidas devem ser tomadas no interesse da pessoa interditada, o qual deve prevalecer diante de quaisquer outras questões, devendo a regra da perpetuatio jurisdictionis ceder lugar à solução que se afigure mais condizente com os interesses do interditado e facilite o acesso do Juiz ao incapaz para a realização dos atos de fiscalização da curatela. Precedentes.
4. Conflito conhecido para o fim de declarar a competência do Juízo de Direito da 11ª Vara de Família e Sucessões de São Paulo-SP (juízo suscitado), foro de domicilio do interdito e da requerente.”
(STJ, 2ª Seção, CC 109840/PE, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 09/02/2011)


Entretanto, releva distinguir se o interesse maior do incapaz relaciona-se com o local em que se encontra, comportando a fixação da competência territorial, ou com as possibilidades de seu curador, ainda que provisório, hipótese de alteração da regra do domicílio do réu (esteja ele internado em clínica, hospital, casa de repouso ou recuperação em Comarca distinta).

Assim, ponderando as condições tanto do curador quanto do curatelado – e cada caso concreto ditará a conduta – faz-se primordial ser levado ao conhecimento do Juízo, assim como do Ministério Público (ou até por este solicitadas providências, caso omissa a inicial): tem o interditando condições de comparecer em Juízo ou, até mesmo, condições de sair do hospital em que está internado, a fim de comparecer em audiência?, a internação tem caráter permanente ou não?, haverá possibilidade de efetivar a citação por precatória ou não?, atentando para as disposições dos artigos 1.181, 218 e 336, parágrafo único, todos do Código de Processo Civil.

Vê-se, portanto, a equidade da posição do STJ, admitindo a superação do princípio da perpetuatio jurisdictionis quando presentes interesses maiores do incapaz.