Breves comentários ao artigo
81 da Lei nº 9.504/1997.
Juliano de Camargo
Assistente Jurídico do Ministério Público, pós-graduando em Direito
Público
Agosto/2011
Art. 81. As doações e contribuições de pessoas
jurídicas para campanhas eleitorais poderão ser feitas a partir do registro dos
comitês financeiros dos partidos ou coligações.
§ 1º As doações e contribuições
de que trata este artigo ficam limitadas a dois por cento do faturamento bruto
do ano anterior à eleição.
§ 2º A doação de quantia acima do limite fixado
neste artigo sujeita a pessoa jurídica ao pagamento de multa no valor de cinco
a dez vezes a quantia em excesso.
§ 3º Sem prejuízo do disposto no parágrafo
anterior, a pessoa jurídica que ultrapassar o limite fixado no § 1º estará
sujeita à proibição de participar de licitações públicas e de celebrar
contratos com o Poder Público pelo período de cinco anos, por determinação da
Justiça Eleitoral, em processo no qual seja assegurada ampla defesa.
§ 4º As representações
propostas objetivando a aplicação das sanções previstas nos §§ 2º e 3º
observarão o rito previsto no art. 22 da Lei Complementar nº 64, de 18 de maio
de 1990, e o prazo de recurso contra as decisões proferidas com base neste
artigo será de 3 (três) dias, a contar da data da publicação do julgamento no
Diário Oficial.
O artigo em comento trata das doações eleitorais por
pessoas jurídicas limitadas a 2% do faturamento bruto auferido no ano anterior
à eleição.
Um primeiro aspecto a ser analisado é o da prescrição – prazo para oferecimento de
representação eleitoral.
Chegou-se a sustentar que o prazo prescricional seria
de 15 dias, tese esta que não prosperou perante o Tribunal Superior Eleitoral,
que assentou o prazo de 180 dias,
contados da diplomação, para propositura de representação por descumprimento,
por pessoa física ou jurídica, dos limites legais de doação para campanhas
eleitorais, conforme julgado abaixo:
“RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. DOAÇÃO DE CAMPANHA
ACIMA DO LIMITE LEGAL. REPRESENTAÇÃO. AJUIZAMENTO. PRAZO. 180 DIAS. ART. 32 DA
LEI Nº 9.504/97. INTEMPESTIVIDADE. RECURSO DESPROVIDO. - O prazo para a
propositura, contra os doadores, das representações fundadas em doações de
campanha acima dos limites legais é de 180 dias, período em que devem os
candidatos e partidos conservar a documentação concernente às suas contas, a
teor do que dispõe o art. 32 da Lei nº 9.504/97. - Uma vez não observado o
prazo de ajuizamento referido, é de se reconhecer a intempestividade da
representação. - Recurso desprovido.” (TSE, RESPE n° 36.552 (43873-32.2009.6.00.0000), Relator
originário: Ministro Felix Fischer; Redator para o acórdão: Ministro Marcelo
Ribeiro, J. 06.05.2010).
Outro tema que gera certa polêmica diz respeito à
eventual violação de sigilo fiscal.
Neste ponto, há que se observar a sempre necessária autorização judicial,
mediante procedimento específico.
No caso, há que se ponderar entre a lisura do
financiamento das campanhas eleitorais – preceito de ordem pública e de extremo
interesse social – e o direito ao sigilo, o qual não é absoluto.
Será, assim, totalmente descabida qualquer alegação a
respeito de eventual ilicitude de prova, apesar de não produzida diante do
contraditório imediato, já que lastreada no devido e necessário provimento
judicial, possibilitará à defesa do representado manifestar-se em contraditório
diferido, contestando as informações obtidas e que embasarem alguma
representação.
Finalmente, o aspecto crucial da norma é o limite
estabelecido para as doações.
Ora, o § 1º do artigo 81 da Lei das Eleições é claro
quanto a esse limite máximo de doações das pessoas jurídicas para campanhas
eleitorais:
“§ 1º As doações e contribuições de que
trata este artigo ficam limitadas a dois
por cento do faturamento bruto do ano anterior à eleição.” (grifo nosso)
Quanto às penalidades,
dispõe o artigo 81, §§ 2º e 3º, da Lei nº 9.504/1997:
“§ 2º A doação de quantia acima do limite
fixado neste artigo sujeita a pessoa jurídica ao pagamento de multa no valor de cinco a dez vezes a
quantia em excesso.”
“§ 3º Sem prejuízo do disposto no parágrafo
anterior, a pessoa jurídica que ultrapassar o limite fixado no § 1º estará
sujeita à proibição de participar de
licitações públicas e de celebrar contratos com o Poder Público pelo
período de cinco anos, por determinação da Justiça Eleitoral, em processo no
qual seja assegurada ampla defesa.” (grifos nossos)
Afigurando-se nítida a discrepância entre os valores
apresentados na prestação de contas e o limite, com base no faturamento bruto,
há que se fazer incidir a sanção pertinente.
A contrário senso, a mínima diferença seria passível
de aplicação do princípio da insignificância.
Todavia, a diferença apurada deve ser
considerada em face do percentual do faturamento, não do valor monetário em si.
Existindo excesso, há que se considerar a capacidade do doador, não o valor
intrinsecamente. Caso contrário, o legislador não teria fixado o limite
percentualmente, mas monetariamente.
Superada a valoração do excesso de doação, há que se
considerar, na aplicação da multa, as
circunstâncias e reflexos da irregularidade, bem como o montante da doação, na
fixação entre as margens de cinco a dez vezes o valor excedido.
Demonstrando-se potencialmente lesivo à continuidade
da pessoa jurídica, precipuamente quando se tratar de micro ou pequena empresa,
será prudente avaliar-se a capacidade financeira de arcar com essa multa.
De outro lado, mais uma vez o que deve ser levado em
conta é correlação da multa com o faturamento bruto da empresa, não o valor
intrínseco da multa.
Entendimento diverso, para eventual “anistia” atrelada
ao porte da empresa, seria desconsiderar o ordenamento eleitoral, abrindo
brechas para pequenas irregularidades, que, somadas, teriam potencial para
desequilibrar as disputas eleitorais, em claro abuso do poder econômico.
Quanto à penalidade prevista no §3º do artigo 81 da
Lei de Eleições – proibição de contratar
e licitar com o poder público –, nesta hipótese sim, observando-se o princípio da proporcionalidade, poderá
ser dispensada em certos casos.
Isto porque, diferentemente da multa, que deve ter por
pressupostos para sua fixação o excesso da doação, calculado percentualmente
sobre o faturamento do doador, a proibição de participar de licitações e de
contratar com o poder público tem que levar em conta também a capacidade
financeira da pessoa jurídica doadora, aferindo-se eventual potencial de
lesividade seu poder econômico para desequilibrar a disputa eleitoral.
Se no caso concreto a pessoa jurídica doadora demonstrar
faturamento de pouco mais de sessenta mil reais anuais, por exemplo, não se vislumbra
potencial para desequilibrar a disputa eleitoral a ponto de ensejar a aplicação
da sanção aqui tratada.
Tal entendimento coaduna-se com a jurisprudência:
“REPRESENTAÇÃO ELEITORAL. PRELIMINARES.
INCOMPETÊNCIA DO TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL. COMPETÊNCIA DO CORREGEDOR
REGIONAL ELEITORAL. CARÊNCIA DA AÇÃO. FALTA DE INTERESSE DE AGIR. COISA
JULGADA. TISNA AO PRINCÍPIO DA IMPARCIALIDADE. MÉRITO. DOAÇÕES DE CAMPANHA.
PESSOA JURÍDICA. EXCESSO. ART. 81 DA LEI N.º 9.504/1997. AUTORIA E
MATERIALIDADE. COMPROVAÇÃO. ÔNUS PROBATÓRIO DA DEFESA. FATOS IMPEDITIVOS,
MODIFICATIVOS E EXTINTIVOS DO DIREITO VINDICADO PELA PARTE AUTORA. PENALIDADE
PECUNIÁRIA. ARBITRAMENTO. PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. AUSÊNCIA DE
CIRCUNSTÂNCIAS AGRAVANTES. VALOR ARBITRADO NO GRAU MÍNIMO. PENALIDADE DO §3º DO
ARTIGO 81 DA LEI 9.504/97. NÃO APLICAÇÃO. PROPORCIONALIDADE. EXCESSO NÃO
RELEVANTE FRENTE À DOAÇÃO. REJEIÇÃO DAS PRELIMINARES. PROCEDÊNCIA PARCIAL DO
PEDIDO. (...) 9. As doações e contribuições de pessoas jurídicas para campanhas
eleitorais poderão ser feitas a partir do registro dos comitês financeiros dos
partidos ou coligações, ficando limitadas a 2% (dois por cento) do faturamento
bruto auferido no ano anterior à eleição. 10. A doação de quantia acima do
limite fixado sujeita a pessoa jurídica às seguintes sanções: (a) pagamento de
multa no valor de 5 (cinco) a 10 (dez) vezes a quantia em excesso; (b)
proibição de participar de licitações públicas e de celebrar contratos com o
Poder Público pelo período de 5 (cinco) anos. Inteligência do art. 81 da Lei
n.º 9.504/1997. (...) 14. Os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade
devem ser observados quando da cominação da sanção, porém, cabendo destacar que
o arbitramento da penalidade deve atentar para sua dupla função preventivo-repressiva.
15. A penalidade pecuniária, diante da ausência de circunstâncias que
justifiquem sua majoração, deve ser arbitrada em seu grau mínimo. 16. A penalidade consistente na proibição
de participar de licitações públicas e de celebrar contratos com o Poder
Público pelo período de cinco anos, descrita no §3º do artigo 81 da Lei
9.504/97, somente deve ser aplicada se, ao se aplicar a proporcionalidade em
relação ao excesso na doação frente ao limite de doação e ao faturamento bruto
da pessoa jurídica, constatar-se ser o excesso relevante, o que não se
demonstrou nos autos.” (TRE-SE,
Representação nº 882, Aracaju/SE, Acórdão nº 423/2009, Relator Des. Arthur
Napoleão Teixeira Filho, Relator designado Des. Álvaro Joaquim Fraga, J.
24/11/2009 – com grifos nossos).
“REPRESENTAÇÃO. Doação em dinheiro a campanha
eleitoral de candidato. Pessoa jurídica que informou ao Fisco não ter auferido
rendimentos no ano anterior à eleição. Violação à regra prevista no artigo 81,
§ 1º da Lei 9.504/97. (...) 3.
Descabimento da sanção pertinente à proibição de participar de licitações
públicas e celebrar contratos com o Poder Público. Princípio da
proporcionalidade. 4. Pedido julgado parcialmente procedente, com a
aplicação de multa de cinco vezes o valor ultrapassado, assim considerada a
totalidade da doação, de acordo com o artigo 81, § 2º, da Lei das Eleições.” (TRE-RJ, Representação nº 985 - Rio de janeiro/RJ,
Acórdão nº 38.696, Relator Des. Leonardo Pietro Antonelli, J. 15/04/2010 – com
grifos nossos)
“REPRESENTAÇÃO. PESSOA JURÍDICA. DOAÇÃO. PRELIMINAR
DE ILEGITIMIDADE MPE AFASTADA (Res. TSE 22.142/06). Precedentes (Rep. 1005,
Rel. Mello Serra). MÉRITO. DOAÇÃO. SUPERIOR. LIMITE. 2% FATURAMENTO BRUTO. ANO
ANTERIOR À ELEIÇÃO. 1- Doação de pessoa jurídica à campanha eleitoral de
candidato. 2- Valor doado superior ao limite de 2% do faturamento bruto no ano
anterior à eleição. 3- Pelo princípio da
proporcionalidade descabe a sanção pertinente à proibição de participar de
licitações públicas e de celebrar contratos com o poder público pelo período de
cinco anos. 4- Pedido parcialmente procedente com a aplicação de multa de 5
(cinco) vezes o valor ultrapassado, na forma do artigo 81, §2º da Lei 9.504/97.”
(TRE-RJ, Representação nº 1028 - Rio de janeiro/RJ, Acórdão nº 38.304, Relator
Des. Leonardo Pietro Antonelli, J.
14/12/2009 – com grifos nossos)
Por fim, apenas para arrematar, cumpre destacar que,
no trâmite processual, devem ser observadas as normas do artigo 22, da Lei
Complementar nº 64/1990.