terça-feira, 20 de setembro de 2011

Breves comentários ao artigo 81 da Lei nº 9.504/1997


Breves comentários ao artigo 81 da Lei nº 9.504/1997.
Juliano de Camargo
Assistente Jurídico do Ministério Público, pós-graduando em Direito Público
Agosto/2011


Art. 81. As doações e contribuições de pessoas jurídicas para campanhas eleitorais poderão ser feitas a partir do registro dos comitês financeiros dos partidos ou coligações.
§ 1º As doações e contribuições de que trata este artigo ficam limitadas a dois por cento do faturamento bruto do ano anterior à eleição.
§ 2º A doação de quantia acima do limite fixado neste artigo sujeita a pessoa jurídica ao pagamento de multa no valor de cinco a dez vezes a quantia em excesso.
§ 3º Sem prejuízo do disposto no parágrafo anterior, a pessoa jurídica que ultrapassar o limite fixado no § 1º estará sujeita à proibição de participar de licitações públicas e de celebrar contratos com o Poder Público pelo período de cinco anos, por determinação da Justiça Eleitoral, em processo no qual seja assegurada ampla defesa.
§ 4º  As representações propostas objetivando a aplicação das sanções previstas nos §§ 2º e 3º observarão o rito previsto no art. 22 da Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990, e o prazo de recurso contra as decisões proferidas com base neste artigo será de 3 (três) dias, a contar da data da publicação do julgamento no Diário Oficial.


O artigo em comento trata das doações eleitorais por pessoas jurídicas limitadas a 2% do faturamento bruto auferido no ano anterior à eleição.
Um primeiro aspecto a ser analisado é o da prescrição – prazo para oferecimento de representação eleitoral.
Chegou-se a sustentar que o prazo prescricional seria de 15 dias, tese esta que não prosperou perante o Tribunal Superior Eleitoral, que assentou o prazo de 180 dias, contados da diplomação, para propositura de representação por descumprimento, por pessoa física ou jurídica, dos limites legais de doação para campanhas eleitorais, conforme julgado abaixo:

“RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. DOAÇÃO DE CAMPANHA ACIMA DO LIMITE LEGAL. REPRESENTAÇÃO. AJUIZAMENTO. PRAZO. 180 DIAS. ART. 32 DA LEI Nº 9.504/97. INTEMPESTIVIDADE. RECURSO DESPROVIDO. - O prazo para a propositura, contra os doadores, das representações fundadas em doações de campanha acima dos limites legais é de 180 dias, período em que devem os candidatos e partidos conservar a documentação concernente às suas contas, a teor do que dispõe o art. 32 da Lei nº 9.504/97. - Uma vez não observado o prazo de ajuizamento referido, é de se reconhecer a intempestividade da representação. - Recurso desprovido.” (TSE, RESPE n° 36.552 (43873-32.2009.6.00.0000), Relator originário: Ministro Felix Fischer; Redator para o acórdão: Ministro Marcelo Ribeiro, J. 06.05.2010).

Outro tema que gera certa polêmica diz respeito à eventual violação de sigilo fiscal. Neste ponto, há que se observar a sempre necessária autorização judicial, mediante procedimento específico.
No caso, há que se ponderar entre a lisura do financiamento das campanhas eleitorais – preceito de ordem pública e de extremo interesse social – e o direito ao sigilo, o qual não é absoluto.
Será, assim, totalmente descabida qualquer alegação a respeito de eventual ilicitude de prova, apesar de não produzida diante do contraditório imediato, já que lastreada no devido e necessário provimento judicial, possibilitará à defesa do representado manifestar-se em contraditório diferido, contestando as informações obtidas e que embasarem alguma representação.
Finalmente, o aspecto crucial da norma é o limite estabelecido para as doações.
Ora, o § 1º do artigo 81 da Lei das Eleições é claro quanto a esse limite máximo de doações das pessoas jurídicas para campanhas eleitorais:
“§ 1º As doações e contribuições de que trata este artigo ficam limitadas a dois por cento do faturamento bruto do ano anterior à eleição.” (grifo nosso)

Quanto às penalidades, dispõe o artigo 81, §§ 2º e 3º, da Lei nº 9.504/1997:
“§ 2º A doação de quantia acima do limite fixado neste artigo sujeita a pessoa jurídica ao pagamento de multa no valor de cinco a dez vezes a quantia em excesso.”
“§ 3º Sem prejuízo do disposto no parágrafo anterior, a pessoa jurídica que ultrapassar o limite fixado no § 1º estará sujeita à proibição de participar de licitações públicas e de celebrar contratos com o Poder Público pelo período de cinco anos, por determinação da Justiça Eleitoral, em processo no qual seja assegurada ampla defesa.” (grifos nossos)

Afigurando-se nítida a discrepância entre os valores apresentados na prestação de contas e o limite, com base no faturamento bruto, há que se fazer incidir a sanção pertinente.
A contrário senso, a mínima diferença seria passível de aplicação do princípio da insignificância.
Todavia, a diferença apurada deve ser considerada em face do percentual do faturamento, não do valor monetário em si. Existindo excesso, há que se considerar a capacidade do doador, não o valor intrinsecamente. Caso contrário, o legislador não teria fixado o limite percentualmente, mas monetariamente.
Superada a valoração do excesso de doação, há que se considerar, na aplicação da multa, as circunstâncias e reflexos da irregularidade, bem como o montante da doação, na fixação entre as margens de cinco a dez vezes o valor excedido.
Demonstrando-se potencialmente lesivo à continuidade da pessoa jurídica, precipuamente quando se tratar de micro ou pequena empresa, será prudente avaliar-se a capacidade financeira de arcar com essa multa.
De outro lado, mais uma vez o que deve ser levado em conta é correlação da multa com o faturamento bruto da empresa, não o valor intrínseco da multa.
Entendimento diverso, para eventual “anistia” atrelada ao porte da empresa, seria desconsiderar o ordenamento eleitoral, abrindo brechas para pequenas irregularidades, que, somadas, teriam potencial para desequilibrar as disputas eleitorais, em claro abuso do poder econômico.
Quanto à penalidade prevista no §3º do artigo 81 da Lei de Eleições – proibição de contratar e licitar com o poder público –, nesta hipótese sim, observando-se o princípio da proporcionalidade, poderá ser dispensada em certos casos.
Isto porque, diferentemente da multa, que deve ter por pressupostos para sua fixação o excesso da doação, calculado percentualmente sobre o faturamento do doador, a proibição de participar de licitações e de contratar com o poder público tem que levar em conta também a capacidade financeira da pessoa jurídica doadora, aferindo-se eventual potencial de lesividade seu poder econômico para desequilibrar a disputa eleitoral.
Se no caso concreto a pessoa jurídica doadora demonstrar faturamento de pouco mais de sessenta mil reais anuais, por exemplo, não se vislumbra potencial para desequilibrar a disputa eleitoral a ponto de ensejar a aplicação da sanção aqui tratada.
Tal entendimento coaduna-se com a jurisprudência:
“REPRESENTAÇÃO ELEITORAL. PRELIMINARES. INCOMPETÊNCIA DO TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL. COMPETÊNCIA DO CORREGEDOR REGIONAL ELEITORAL. CARÊNCIA DA AÇÃO. FALTA DE INTERESSE DE AGIR. COISA JULGADA. TISNA AO PRINCÍPIO DA IMPARCIALIDADE. MÉRITO. DOAÇÕES DE CAMPANHA. PESSOA JURÍDICA. EXCESSO. ART. 81 DA LEI N.º 9.504/1997. AUTORIA E MATERIALIDADE. COMPROVAÇÃO. ÔNUS PROBATÓRIO DA DEFESA. FATOS IMPEDITIVOS, MODIFICATIVOS E EXTINTIVOS DO DIREITO VINDICADO PELA PARTE AUTORA. PENALIDADE PECUNIÁRIA. ARBITRAMENTO. PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. AUSÊNCIA DE CIRCUNSTÂNCIAS AGRAVANTES. VALOR ARBITRADO NO GRAU MÍNIMO. PENALIDADE DO §3º DO ARTIGO 81 DA LEI 9.504/97. NÃO APLICAÇÃO. PROPORCIONALIDADE. EXCESSO NÃO RELEVANTE FRENTE À DOAÇÃO. REJEIÇÃO DAS PRELIMINARES. PROCEDÊNCIA PARCIAL DO PEDIDO. (...) 9. As doações e contribuições de pessoas jurídicas para campanhas eleitorais poderão ser feitas a partir do registro dos comitês financeiros dos partidos ou coligações, ficando limitadas a 2% (dois por cento) do faturamento bruto auferido no ano anterior à eleição. 10. A doação de quantia acima do limite fixado sujeita a pessoa jurídica às seguintes sanções: (a) pagamento de multa no valor de 5 (cinco) a 10 (dez) vezes a quantia em excesso; (b) proibição de participar de licitações públicas e de celebrar contratos com o Poder Público pelo período de 5 (cinco) anos. Inteligência do art. 81 da Lei n.º 9.504/1997. (...) 14. Os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade devem ser observados quando da cominação da sanção, porém, cabendo destacar que o arbitramento da penalidade deve atentar para sua dupla função preventivo-repressiva. 15. A penalidade pecuniária, diante da ausência de circunstâncias que justifiquem sua majoração, deve ser arbitrada em seu grau mínimo. 16. A penalidade consistente na proibição de participar de licitações públicas e de celebrar contratos com o Poder Público pelo período de cinco anos, descrita no §3º do artigo 81 da Lei 9.504/97, somente deve ser aplicada se, ao se aplicar a proporcionalidade em relação ao excesso na doação frente ao limite de doação e ao faturamento bruto da pessoa jurídica, constatar-se ser o excesso relevante, o que não se demonstrou nos autos.” (TRE-SE, Representação nº 882, Aracaju/SE, Acórdão nº 423/2009, Relator Des. Arthur Napoleão Teixeira Filho, Relator designado Des. Álvaro Joaquim Fraga, J. 24/11/2009 – com grifos nossos).

“REPRESENTAÇÃO. Doação em dinheiro a campanha eleitoral de candidato. Pessoa jurídica que informou ao Fisco não ter auferido rendimentos no ano anterior à eleição. Violação à regra prevista no artigo 81, § 1º da Lei 9.504/97. (...) 3. Descabimento da sanção pertinente à proibição de participar de licitações públicas e celebrar contratos com o Poder Público. Princípio da proporcionalidade. 4. Pedido julgado parcialmente procedente, com a aplicação de multa de cinco vezes o valor ultrapassado, assim considerada a totalidade da doação, de acordo com o artigo 81, § 2º, da Lei das Eleições.” (TRE-RJ, Representação nº 985 - Rio de janeiro/RJ, Acórdão nº 38.696, Relator Des. Leonardo Pietro Antonelli, J. 15/04/2010 – com grifos nossos)

“REPRESENTAÇÃO. PESSOA JURÍDICA. DOAÇÃO. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE MPE AFASTADA (Res. TSE 22.142/06). Precedentes (Rep. 1005, Rel. Mello Serra). MÉRITO. DOAÇÃO. SUPERIOR. LIMITE. 2% FATURAMENTO BRUTO. ANO ANTERIOR À ELEIÇÃO. 1- Doação de pessoa jurídica à campanha eleitoral de candidato. 2- Valor doado superior ao limite de 2% do faturamento bruto no ano anterior à eleição. 3- Pelo princípio da proporcionalidade descabe a sanção pertinente à proibição de participar de licitações públicas e de celebrar contratos com o poder público pelo período de cinco anos. 4- Pedido parcialmente procedente com a aplicação de multa de 5 (cinco) vezes o valor ultrapassado, na forma do artigo 81, §2º da Lei 9.504/97.” (TRE-RJ, Representação nº 1028 - Rio de janeiro/RJ, Acórdão nº 38.304, Relator Des.  Leonardo Pietro Antonelli, J. 14/12/2009 – com grifos nossos)

Por fim, apenas para arrematar, cumpre destacar que, no trâmite processual, devem ser observadas as normas do artigo 22, da Lei Complementar nº 64/1990.