Da detração penal em pena de
multa
Juliano de Camargo
Assistente Jurídico do Ministério Público, pós-graduando em Direito
Público
Agosto/2011
Parecer exarado em processo
crime no qual o acusado foi sentenciado e condenado às penas privativas de
liberdade e multa, tendo permanecido preso durante a instrução, prazo este que
superou à pena de prisão imposta.
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O réu JW
foi condenado, pela prática do crime descrito no artigo 147 do Código Penal, na
forma do artigo 5º da Lei nº 11.340/2003, à pena de um mês e quinze dias de
detenção, além de quinze dias-multa.
A sentença transitou em julgado em xxx.
Conforme certificado a fls. 108, o acusado,
inicialmente preso em flagrante, até a concessão da liberdade provisória
permaneceu recolhido durante dois meses e quinze dias.
Dessa forma, de se considerar que efetivamente já
cumpriu integralmente a pena privativa de liberdade, considerando-se a detração
penal nos termos do artigo 42 do Código Penal.
Pende, todavia, a pena pecuniária também aplicada, sobre
a qual a possibilidade de detração – doutrinariamente denominada “detração
analógica” – gera polêmicas há tempos, sem pacificação jurisprudencial.
Argumentos fortes no sentido da impossibilidade estão
presentes, por exemplo, no julgado abaixo da 14ª Câmara de Direito Criminal do
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:
“Extinção de pena de
multa - Detracão analógica - Impossibilidade. Extinção da pena de multa.
Aplicação analógica do instituto da detracão, previsto no art 42, do Código
Penal. Impossibilidade. Multa que, apesar da sua natureza penal, é divida de
valor (art. 51, do CP), passível apenas de execução, vedada a conversão em
privação da liberdade. Recurso ministerial provido para cassar a decisão que
julgou extinta a pena de multa.” (TJSP, RESE n°
0433592-24.2010.8.26.0000/SP, Rel. Des.
WILSON BARREIRA, J. 03.02.2011)
Entendimento contrário, mas igualmente robusto na
fundamentação, adota a 16ª Câmara do mesmo Tribunal, conforme colacionado a
seguir:
“Detração analógica.
Pena de multa detraída de tempo de prisão cautelar. Possibilidade. Analogia
autorizada pela lógica do razoável e pela detração especial prevista no art.
8.° do Código Penal. Recurso não provido.” (TJSP, Agravo em Execução n° 990.08.023732-2/SP, Rel. Des.
Galvão Bruno, J. 30.09.2008)
Desse acórdão, trecho relevante conduz à reflexão:
“Nenhum deles [argumentos da tese contrária] é
bastante a elidir as consequências injustas (e às vezes ridículas) que
decorreriam da impossibilidade da detração realizada na r. sentença. Por
exemplo: duas pessoas, em coautoria, praticam um crime; presas em flagrante,
ficam presas por três meses, e a três meses de prisão são condenadas. Um deles,
multi-reinciderte, não faz jus a beneficio algum; o outro, primario e sem
antecedentes, tem a pena privativa de liberdade convertida em multa. Resultado,
segundo a tese recursal: o muiti-reincidente está quite com a sociedade; o
primário e sem antecedentes tem multa a pagar... O que significaria, também, é
claro, que o segundo condenado tem interesse processual em recorrer para
agravar sua pena...”
Portanto, é preciso uma interpretação constitucional
do Código Penal, sob o viés dos princípios
da proporcionalidade e da razoabilidade.
No presente caso, com a detração da prisão
preventiva incidindo sobre a efetiva pena privativa de liberdade, restariam ao
acusado ainda um mês em que permaneceu encarcerado, período este que,
evidentemente, não pode constituir “crédito” contra o Estado e, pela primeira
corrente, também não poderia ser abatido da pena pecuniária.
Ora, é de se argumentar: qual o valor da liberdade
do indivíduo? Haveria um meio de se restaurar os trinta dias em que ficou
detido?
Por certo, sem adentrar na questão da reprovação da
conduta do acusado, o qual já foi ponderado pelo Juízo, entendendo pela justa
dosimetria da pena, a adoção da segunda corrente, que autoriza a detração da
pena pecuniária, apresenta-se a mais razoável, na medida em que, tendo
permanecido mais tempo do que o necessário encarcerado, a exigibilidade da
multa pelo Estado, soa como “bis in idem”.
De outro lado, em que pese o trânsito em julgado da
sentença, releva ponderar que o crime de ameaça, tipificado no artigo 147 do
Código Penal, é apenado com pena de detenção ou multa, ou seja, é tipo misto alternativo, não cumulativo.
Portanto, haveria uma incoerência da sentença, que
além da pena privativa de liberdade, cumulou uma sanção pecuniária, passível de
reforma.
Com tais argumentos, entendo possível – e no
presente caso necessário – aplicar-se a detração tanto sobre a pena privativa
de liberdade quanto sobre a pena pecuniária, com a consequente declaração de
extinção das penas, ante seu integral cumprimento.
Finalmente, insta observar que, à par da extinção da
pena, não se prescinde da regular expedição de guia de recolhimento e
lançamento do nome do réu no rol dos culpados, com as consequências penais e
extrapenais correlatas.