terça-feira, 20 de setembro de 2011

Da detração penal em pena de multa


Da detração penal em pena de multa

Juliano de Camargo
Assistente Jurídico do Ministério Público, pós-graduando em Direito Público
Agosto/2011


Parecer exarado em processo crime no qual o acusado foi sentenciado e condenado às penas privativas de liberdade e multa, tendo permanecido preso durante a instrução, prazo este que superou à pena de prisão imposta.

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O réu JW foi condenado, pela prática do crime descrito no artigo 147 do Código Penal, na forma do artigo 5º da Lei nº 11.340/2003, à pena de um mês e quinze dias de detenção, além de quinze dias-multa.

A sentença transitou em julgado em xxx.

Conforme certificado a fls. 108, o acusado, inicialmente preso em flagrante, até a concessão da liberdade provisória permaneceu recolhido durante dois meses e quinze dias.

Dessa forma, de se considerar que efetivamente já cumpriu integralmente a pena privativa de liberdade, considerando-se a detração penal nos termos do artigo 42 do Código Penal.

Pende, todavia, a pena pecuniária também aplicada, sobre a qual a possibilidade de detração – doutrinariamente denominada “detração analógica” – gera polêmicas há tempos, sem pacificação jurisprudencial.

Argumentos fortes no sentido da impossibilidade estão presentes, por exemplo, no julgado abaixo da 14ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:

“Extinção de pena de multa - Detracão analógica - Impossibilidade. Extinção da pena de multa. Aplicação analógica do instituto da detracão, previsto no art 42, do Código Penal. Impossibilidade. Multa que, apesar da sua natureza penal, é divida de valor (art. 51, do CP), passível apenas de execução, vedada a conversão em privação da liberdade. Recurso ministerial provido para cassar a decisão que julgou extinta a pena de multa.” (TJSP, RESE n° 0433592-24.2010.8.26.0000/SP, Rel. Des. WILSON BARREIRA, J. 03.02.2011)


Entendimento contrário, mas igualmente robusto na fundamentação, adota a 16ª Câmara do mesmo Tribunal, conforme colacionado a seguir:

“Detração analógica. Pena de multa detraída de tempo de prisão cautelar. Possibilidade. Analogia autorizada pela lógica do razoável e pela detração especial prevista no art. 8.° do Código Penal. Recurso não provido.” (TJSP, Agravo em Execução n° 990.08.023732-2/SP, Rel. Des. Galvão Bruno, J. 30.09.2008)


Desse acórdão, trecho relevante conduz à reflexão:

“Nenhum deles [argumentos da tese contrária] é bastante a elidir as consequências injustas (e às vezes ridículas) que decorreriam da impossibilidade da detração realizada na r. sentença. Por exemplo: duas pessoas, em coautoria, praticam um crime; presas em flagrante, ficam presas por três meses, e a três meses de prisão são condenadas. Um deles, multi-reinciderte, não faz jus a beneficio algum; o outro, primario e sem antecedentes, tem a pena privativa de liberdade convertida em multa. Resultado, segundo a tese recursal: o muiti-reincidente está quite com a sociedade; o primário e sem antecedentes tem multa a pagar... O que significaria, também, é claro, que o segundo condenado tem interesse processual em recorrer para agravar sua pena...”


Portanto, é preciso uma interpretação constitucional do Código Penal, sob o viés dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

No presente caso, com a detração da prisão preventiva incidindo sobre a efetiva pena privativa de liberdade, restariam ao acusado ainda um mês em que permaneceu encarcerado, período este que, evidentemente, não pode constituir “crédito” contra o Estado e, pela primeira corrente, também não poderia ser abatido da pena pecuniária.

Ora, é de se argumentar: qual o valor da liberdade do indivíduo? Haveria um meio de se restaurar os trinta dias em que ficou detido?

Por certo, sem adentrar na questão da reprovação da conduta do acusado, o qual já foi ponderado pelo Juízo, entendendo pela justa dosimetria da pena, a adoção da segunda corrente, que autoriza a detração da pena pecuniária, apresenta-se a mais razoável, na medida em que, tendo permanecido mais tempo do que o necessário encarcerado, a exigibilidade da multa pelo Estado, soa como “bis in idem”.

De outro lado, em que pese o trânsito em julgado da sentença, releva ponderar que o crime de ameaça, tipificado no artigo 147 do Código Penal, é apenado com pena de detenção ou multa, ou seja, é tipo misto alternativo, não cumulativo.

Portanto, haveria uma incoerência da sentença, que além da pena privativa de liberdade, cumulou uma sanção pecuniária, passível de reforma.

Com tais argumentos, entendo possível – e no presente caso necessário – aplicar-se a detração tanto sobre a pena privativa de liberdade quanto sobre a pena pecuniária, com a consequente declaração de extinção das penas, ante seu integral cumprimento.

Finalmente, insta observar que, à par da extinção da pena, não se prescinde da regular expedição de guia de recolhimento e lançamento do nome do réu no rol dos culpados, com as consequências penais e extrapenais correlatas.