terça-feira, 21 de junho de 2011

Internação involuntária de crianças e adolescentes acometidas de transtornos mentais decorrentes do uso de drogas


 
Juliano de Camargo
Bacharel em Direito, Pós-graduando em Direito Público pela LFG, Assistente Jurídico do Ministério Público
Maio/2011

O uso de substâncias entorpecentes – álcool, drogas e outras substâncias – por crianças e adolescentes, interfere no seu desenvolvimento físico e mental, com reflexos nocivos à família e à comunidade, além da inserção na marginalidade, criminalidade e violência.
O cuidado mental dos menores de 18 anos constitui-se em direito fundamental à vida e à saúde, dadas as condições peculiares de pessoa em desenvolvimento.
Não por menos, o Estatuto da Criança e do Adolescente, nos artigos 3º, 4º e 7º, §1º, assegura a crianças e adolescentes a prioridade de atendimento em saúde, incluindo-se tratamento de saúde mental.
O panorama do uso de drogas e álcool por menores de 18 anos, caracteriza situação de elevado risco, previsto no artigo 98, III, do Estatuto da Criança e do Adolescente, necessitando a intervenção do Ministério Público para tutelar direito fundamental.
“Art. 98. As medidas de proteção à criança e ao adolescente são aplicáveis sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados:
I - por ação ou omissão da sociedade ou do Estado;
II - por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável;
III - em razão de sua conduta.”

E para tal tutela, em razão da conduta praticada pela própria criança ou adolescente, há previsão de aplicação de medidas específicas, elencadas no Estatuto da Criança e do Adolescente:
“Art. 101. Verificada qualquer das hipóteses previstas no art. 98, a autoridade competente poderá determinar, dentre outras, as seguintes medidas:
(...)
V - requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial;
VI - inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos;”

Em complementação, o artigo 203, IV, da Constituição Federal diz ser um dos objetivos da assistência social, prestada pelo Estado a quem dela necessitar, a “habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária”. Acrescente-se, por certo, a deficiência decorrente do uso de álcool e drogas.
A conjugação do sistema normativo de proteção da criança e do adolescente admite, portanto, caso se afigure extremamente necessária, a internação de menores de 18 anos para tratamento contra a dependência química.
Há divergências sobre o enfoque de qual tratamento adequado nos casos de drogadição severa, associados a distúrbios mentais e violência, mas por certo uma intervenção terapêutica é melhor do que a omissão.
E embora a internação psiquiátrica seja apenas uma das formas de tratamento possíveis, e a mais excepcional delas, por vezes afigura-se como inevitável.
Todavia, é possível obrigar alguém a se submeter a um tratamento, em especial menores de idade, e em que condições?
A própria reação de negação da condição de dependente químico traz em si a resistência aos tratamentos e principalmente à internação, aliado às crises de abstinências, decorrendo daí a necessidade de uma internação involuntária do paciente, como medida de saúde e segurança.
De qualquer modo, qualquer internação psiquiátrica, somente será realizada mediante laudo médico circunstanciado, conforme exigência do artigo 6º da Lei nº 10.216/01, que dispõe proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais.
Essa mesma Lei nº 10.216/01 define as modalidades de internação psiquiátrica:
·         internação voluntária: se dá a pedido ou com o consentimento do paciente;
·         internação involuntária: se dá sem o consentimento do paciente e a pedido de terceiro, independentemente de ordem judicial, e deve ser comunicada ao Ministério Público em 72 horas;
·         internação compulsória: determinada por ordem judicial.

Quando se tratar de pedido de internação voluntária, o Conselho Tutelar poderá providenciar a medida, com base no artigo 136, I, ECA.
Se a internação compulsória for necessária, poderá ser requerida judicialmente como medida protetiva, com fundamento no artigo 101, V e VI, do ECA.
Todavia, dentre as modalidades de internações há distinções para as faixas etárias dos menores de 18 anos.
Considerando a imperatividade dos artigos 3º e 4º do Código Civil, a incapacidade jurídica pressupõe a incapacidade psíquica para distinguir as relações jurídicas e se autodeterminar, daí a necessidade de representação ou assistência de um capaz.
Conclui-se, portanto, que em se tratando de menor de 16 anos, absolutamente incapaz, é impossível a ocorrência de internação voluntária.
entre os 16 e 18 anos admite-se a manifestação da voluntariedade para o tratamento, pois já detém condições para discernir e aceitar os tratamentos propostos.
A internação voluntária, contudo, dependerá também do consentimento dos pais ou responsáveis. Caso haja discordância dos pais com a internação, será possível uma intervenção judicial, após orientação do Conselho Tutelar, para autorização de internação, caso seja esse o real interesse do adolescente e haja clara indicação médica para tanto.
O que não se admite é a internação voluntária de maior de 16 por exclusiva vontade dos pais ou responsáveis, havendo discordância do menor, necessitando, para tanto, a intervenção judicial

Resta a internação involuntária, que por sua vez pode ser distinguida em emergencial ou comum.
A internação emergencial, baseada em recomendação médica específica, é aplicada na ocorrência de surtos ou crises agudas, em casos de risco iminente à vida ou integridade física. Nesta hipótese, há de se observar sempre o caráter transitório e excepcional, com medidas aplicadas diretamente pelo Conselho Tutelar e unidades médicas, dispensando-se ordem judicial para tratamento hospitalar.
A internação involuntária emergencial poderá ser invocada inclusive se houver risco a nascituro, na hipótese de grávida adolescente dependente de drogas.

Fora das situações emergenciais, a internação involuntária, em se tratamento de criança e adolescente, deverá ser sempre compulsória, com ordem judicial.
É importante resguardar o direito de manifestação da criança ou adolescente, assegurando pela Convenção sobre os Direitos da Criança, pois, dependendo da opinião expressada, questionando a medida de internação para tratamento (que não necessariamente deva ser seguida), implica na obrigatoriedade de um procedimento contraditório, com assistência jurídica e nomeação de um curador especial, nos termos do artigo 9º, II, CPC, e artigo 142, parágrafo único, ECA.
Semelhante procedimento contraditório deverá ser observado no caso de verificação pelo Conselho Tutelar ou outro órgão da necessidade de internação e haja oposição do menor e também de seus pais ou responsáveis. Neste caso, sobrepõe-se a obrigação do Estado em proteger a saúde e segurança da criança e do adolescente se a única medida que surta efeitos seja o tratamento compulsório.
Quanto à competência, os pedidos formulados pelos próprios pais ou a hipótese de autorização judicial formulada pelo menor, em oposição aos genitores, são de competência das varas de família. Qualquer outra hipótese de internação que não envolva requerimento dos próprios pais, dependerá de decisão do Juízo da Infância e Juventude.

Em resumo:
(a)  Menores de 16 anos:
(i)    Não se admite internação voluntária;
(ii)  Internação involuntária nos casos emergenciais (risco de vida ou à integridade física), independente de ordem judicial;
(iii) Qualquer outra modalidade de internação será sempre involuntária e compulsória (com ordem judicial), seja com consentimento dos pais seja por orientação do Conselho Tutelar.

(b)  Maiores de 16 anos e menores de 18 anos:
(i)    Internação voluntária admitida independentemente de ordem judicial se houver consentimento do menor e dos pais ou responsáveis;
(ii)  Se houver oposição dos pais, mas desejo do menor, é possível autorização judicial, comprovada a premente necessidade, com orientação do Conselho Tutelar;
(iii) A internação involuntária emergencial (risco de vida ou à integridade física) independe de ordem judicial;
(iv) Com ou sem consentimento dos pais, opondo-se o menor, a internação será sempre compulsória, observando-se o contraditório, com nomeação de curador especial;


Referências bibliográficas:
BRASIL, Ministério da Saúde. Relatório do Fórum Nacional de Saúde Mental Infanto-Juvenil. Secretaria de Atenção A Saúde; Departamento de Ações Programáticas Estratégicas; Coordenação Nacional de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas. Brasília: Março/2009.
FRANCO JUNIOR, Raul de Mello. Internação compulsória para tratamento de alcoólatras e dependentes químicos. Revista Igualdade, Livro 41, Ministério Público do Estado do Paraná, Centro de Apoio Operacional das Promotorias da Criança e do Adolescente. Curitiba: Março/2008.
RESENDE, Cibele Cristina Freitas. Aspectos legais da internação psiquiátrica de crianças e adolescentes portadores de transtornos mentais. Revista Igualdade, Livro 41, Ministério Público do Estado do Paraná, Centro de Apoio Operacional das Promotorias da Criança e do Adolescente. Curitiba: Março/2008.