sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Institutos da boa-fé objetiva no STJ

Juliano de Camargo
Bacharel em direito, pós-graduando em Direito Público, concursando

Vou analisar, simplificadamente, alguns institutos relacionados com a boa-fé objetiva e, na sequencia, trago alguns julgados do STJ sobre o tema.
·         Supressio (supressão para o titular) – perda de um direito pelo seu não exercício no tempo, o que não se confunde com prescrição ou decadência, criando uma expectativa legítima na outra parte de que pode exercer um direito.
·         Surrectio (surgimento para a outra parte) – surgimento de um direito pela prática de usos e costumes.
Supressio e surrectio são duas faces da mesma moeda.
STJ, REsp 953389/SP,  Relatora Min. NANCY ANDRIGHI, J. 23/02/2010: “Direito civil. Contrato de locação de veículos por prazo determinado. Notificação, pela locatária, de que não terá interesse na renovação do contrato, meses antes do término do prazo contratual. Devolução apenas parcial dos veículos após o final do prazo, sem oposição expressa da locadora. Continuidade da emissão de faturas, pela credora, no preço contratualmente estabelecido. Pretensão da locadora de receber as diferenças entre a tarifa contratada e a tarifa de balcão para a locação dos automóveis que permaneceram na posse da locatária. Impossibilidade. Aplicação do princípio da boa-fé objetiva. (...) - O princípio da boa-fé objetiva exerce três funções: (i) a de regra de interpretação; (ii) a de fonte de direitos e de deveres jurídicos; e (iii) a de limite ao exercício de direitos subjetivos. Pertencem a este terceiro grupo a teoria do adimplemento substancial das obrigações e a teoria dos atos próprios ('tu quoque'; vedação ao comportamento contraditório; ‘surrectio'; 'suppressio'). - O instituto da 'supressio' indica a possibilidade de se considerar suprimida uma obrigação contratual, na hipótese em que o não-exercício do direito correspondente, pelo credor, gere no devedor a justa expectativa de que esse não-exercício se prorrogará no tempo.”

·         Venire contra factum proprium – criar expectativa de que não se irá exercer um direito e acaba exercendo.
STJ, AgRg nos EDcl no REsp 961049/SP, Relator Min. LUIZ FUX, J. 23/11/2010: “TRIBUTÁRIO E PROCESSO JUDICIAL TRIBUTÁRIO. DEPÓSITO JUDICIAL. ARTIGO 151, II, DO CTN. SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO PELO DEPÓSITO. LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO. DESNECESSIDADE. DECADÊNCIA. INOCORRÊNCIA. 1. O depósito efetuado por ocasião do questionamento judicial de tributo sujeito a lançamento por homologação suspende a exigibilidade do mesmo, enquanto perdurar a contenda, ex vi do disposto no artigo 151, II, do CTN, e, por força do seu desígnio, implica lançamento tácito no montante exato do quantum depositado, conjurando eventual alegação de decadência do direito de constituir o crédito tributário. (...) 5. Ad argumentandum tantum, a agravante, nas instâncias ordinárias, referiu-se ao depósito efetuado como causa de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, tendo sido essa a sua pretensão ao realiza-lo, de forma que agora, em sede de recurso especial, não pode alegar o inverso, contrariando repentinamente sua conduta anterior, para afirmar que o depósito efetuado, por não ter abrangido o montante integral do crédito tributário, não teve o efeito de obstar a exigibilidade do crédito tributário nem pode subsumir-se ao pagamento do tributo (venire contra factum proprium).”

·         Tu quoque (tu também) – um descumprimento por uma das partes faz presumir que a outra também poderá descumprir.
STJ, RMS 14908/BA, Relator Min. HUMBERTO MARTINS, J. 06/03/2007: “RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA - ADMINISTRATIVO – TITULAR DE SERVENTIA JUDICIAL SUSPENSO PREVENTIVAMENTE - LEGALIDADE - AUTO-TUTELA DA MORALIDADE E LEGALIDADE - APLICAÇÃO DA TEORIA DOS ATOS PRÓPRIOS (TU QUOQUE) - AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. 1. No caso dos autos, alega o recorrente violação de seu direito líquido e certo, em face do afastamento de suas funções - oficial de registro de imóveis -, pelo Juiz de Direito, com a finalidade de apurar denúncias de diversos crimes que o recorrente supostamente teria cometido contra a Administração Pública, em razão da sua função. 2. Observância do devido processo legal para o afastamento do indiciado. Indícios veementes de perpetração de vários crimes contra a Administração Pública e atos de improbidade pelo oficial de registro. 3. Alegar o recorrente que o afastamento de suas funções, bem como a devida apuração dos fatos em face a fortes indícios de cometimento de crimes contra a administração, inclusive já com a quebra do sigilo bancária decretada, fere direito líquido e certo, é contrariar a lógica jurídica e a razoabilidade. A bem da verdade, essa postura do recorrente equivale ao comportamento contraditório - expressão particular da teoria dos atos próprios -, sintetizado no anexim tu quoque, reconhecido nesta Corte nas relações privadas, mas incidente, também, nos vínculos processuais, seja no âmbito do processo administrativo ou judicial.”