Juliano de Camargo
Bacharel em Direito, pós-graduado em Direito Público, Assistente Jurídico do MPSP
L., menor
representada por seus pais, impetrou Mandado de Segurança, com pedido de liminar, contra
ato do Secretário Estadual de Educação
do Estado de São Paulo, da Supervisora
de Ensino da Delegacia Regional de Ensino, do Dirigente Regional de Ensino da Diretoria de Ensino de Itu e da Diretora do Colégio X, que indeferiu sua matrícula na primeira fase da pré-escola, no anos letivo de 2011, baseado na Deliberação 73/2008 do Conselho Estadual de
Educação e Pareceres 248/2010 e 588/2010, também do Conselho Estadual de
Educação.
Tais
disposições estabeleciam que somente fossem admitidas a cursar a primeira fase
da pré-escola crianças que completassem quatro anos de idade até o dia 30 de
junho de 2011, o que não é o caso da impetrante, que completaria a idade apenas
em setembro.
Sustentou
a impetrante violação à Constituição Federal, art. 208, incisos I e V, ao
Estatuto da Criança e do Adolescente, art. 53, e à Lei de Diretrizes e Bases da
Educação, Lei nº 9.394/96, artigos 29 e 30 e pleiteou, liminarmente, sua
matrícula no ciclo educacional acima citado e, ao final, a concessão da
segurança.
Juntou
documentos a fls.
Foi deferida liminar para autorizar a matrícula da impetrante na
primeira fase da pré-escola no ano letivo de 2011, o que foi efetivado,
conforme comprovado a fls.
As
autoridades coatoras foram notificadas, tendo prestado informações apenas a
Dirigente Regional de Ensino e o Secretário Estadual de Educação.
Sinteticamente,
a Dirigente da Regional argumentou que a vedação da matrícula na pré-escola, primeira
fase, àquelas crianças que completariam quatro anos de idade no segundo
semestre, fundamenta-se em atos normativos expedidos pelo Conselho Estadual de
Educação – CEE e pareceres do Conselho Nacional de Educação e Conselho de
Educação Básica – CNE/CES. Informou, ainda, que tais expedientes normativos foram
baseados em estudos científicos que identificaram a capacidade cognitiva das
crianças de acordo com a faixa etária.
O
Secretário Estadual de Educação alegou, preliminarmente, incompetência do Juízo
e ilegitimidade passiva, por ausência de ato ou omissão específico seus. No
mérito, além dos pontos levantados pela Dirigente Regional de Educação de Itu, acrescentou
o Secretário a inexistência de direito líquido e certo ou de urgência do
pedido.
A
Fazenda do Estado de São Paulo foi admitida no polo passivo da ação e agravou da decisão que concedeu a liminar, tendo o Tribunal
de Justiça negado provimento ao recurso.
Foi,
assim, aberta vista para manifestação.
É
o breve relato.
Em
sede preliminar, cumpre ressaltar que o presente writ tem por fundamento a negativa de matrícula em escola
particular, ato, portanto, praticado por pessoa jurídica de direito privado no
exercício de atribuição específica do Estado, daí a possibilidade do remédio
constitucional.
Por
conseguinte, tratando-se de educação pré-primária, a teor do disposto no artigo
18, inciso II, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei nº 9.394/1996), as
instituições de educação infantil criadas e mantidas pela iniciativa privada
estão compreendidas no âmbito dos sistemas municipais de educação, o que, em
princípio, afastaria do polo passivo o Secretário Estadual de Educação do
Estado de São Paulo, tal qual suscitado em preliminar de ilegitimidade passiva.
De
outro lado, a negativa fundamentou-se na Deliberação do Conselho
Estadual de Educação nº 73/2008, o qual regulamenta a o ensino fundamental no
“sistema estadual de ensino” e, “em regime de colaboração, nos sistemas
municipais de ensino”.
Portanto,
adotando-se a teoria da encampação no mandado de segurança, tendo em conta que
o ato expedido pelo Conselho Estadual de Educação, subordinado à Secretaria
Estadual de Educação, vincula-se a seu representante de hierarquia superior, o
Sr. Secretário Estadual de Educação, não há que se falar em ilegitimidade
passiva suscitada.
Admitida,
pois, a possibilidade de impetração da segurança em face de ato geral praticado
por essa autoridade – o Secretário Estadual de Educação – resta a segunda
preliminar de incompetência do Juízo.
Neste
particular, em que pese a competência constitucional material comum entre União,
Estados e Municípios quanto à educação (art. 23, V, CF), é evidente que a
hipótese dos autos trata de litisconsórcio passivo facultativo, já que a
concessão da segurança em nada afetará a esfera jurídica da Fazenda do Estado,
por restringir-se a matrícula em específico estabelecimento de ensino
particular.
Dessa
maneira, ainda que a competência no mandado de segurança se determine conforme
o grau e sede da autoridade apontada como coatora, no presente caso, diante do
litisconsórcio, há que se aplicar a regra do artigo 94, § 4º, do Código de
Processo Civil, facultando-se à impetrante a escolha da comarca para
ajuizamento da ação.
Nem
haveria de se cogitar, por oportuno o destaque, que os efeitos da sentença
dependeriam da intimação de todos os litisconsortes, eis que o remédio
constitucional eleito não se trata, propriamente, da composição de uma lide,
pois as chamadas autoridades coatoras se limitam a prestar informações que
possam subsidiar a cognição sumária, independente de dilação probatória, do quanto
alegado na inicial, quando patente o direito líquido e certo.
As
demais matérias elencadas nas informações prestadas pelo Secretário Estadual de
Educação, confundem-se com o mérito do pedido, razão pela qual são apreciados
no deslinde desta manifestação.
Superadas,
pois, as preliminares aventadas, passo ao mérito.
A segurança deve ser concedida.
Faz-se
necessário, em primeiras linhas, traçar o arcabouço legal pertinente à matéria.
Preceitua
o art. 205 da Constituição Federal:
“Art. 205 - A educação, direito de
todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a
colaboração da sociedade, visando ao pleno
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua
qualificação para o trabalho.” (grifamos)
Também
a Lei Maior determina como princípios norteadores do ensino, entre outros, a igualdade de condições para o acesso e permanência na escola e a liberdade
de aprender, ensinar e pesquisar (art. 206, incisos I e II, da
Constituição Federal, com grifos nossos).
Tais
princípios também são reproduzidos no art. 3º da Lei nº 9.394/1996 – Lei de
Diretrizes e Bases da Educação, a qual delineia os aspectos pertinentes à
educação infantil, fundamental, média e superior.
No
tocante à educação infantil, em especial – foco da segurança ora pleiteada pela
impetrante –, destaco que a Lei de Diretrizes e Bases explicita, in verbis:
“Art. 29. A educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da
criança até seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico,
intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade.”
(grifamos)
A
mesma norma também define que a educação infantil será oferecida em pré-escolas
para crianças de quatro a seis anos de idade (art. 30, inciso II, da Lei nº 9.394/1996).
Verifica-se,
portanto, que nem a Constituição Federal, nem norma infraconstitucional,
delimita critérios estáticos para acesso das crianças à educação; ao contrário,
a prioridade é, antes, buscar o desenvolvimento integral do indivíduo,
atentando-se, ademais, às peculiares condições de pessoa em desenvolvimento,
conforme principiologia abarcada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.
É
certo que atos normativos de competência do Conselho Nacional de Educação ou
das Secretarias Estaduais de Educação buscam estabelecer parâmetros mínimos,
através de Resoluções e Deliberações, norteadores das políticas públicas,
parâmetros estes que, contudo, não se pode admitir tenham o escopo de
restringir as finalidades precípuas da educação infantil, como o
desenvolvimento físico, psicológico e intelectual.
Assim,
a delimitação de parâmetros objetivos, tal qual a exigência de idade mínima a
ser completada até o meio do ano para matrícula escolar, serve para orientação
e fiscalização, mas não pode ser aplicada desarrazoadamente, até porque aqueles
atos – Resoluções, Pareceres e Deliberações – não gozam da mesma força
normativa das leis, tampouco, e obviamente, da Constituição Federal.
As
informações trazidas aos autos dão conta de que as idades mínimas estabelecidas
são fruto de estudos científicos que identificam a capacidade cognitiva das
crianças, avaliando as possibilidades de adaptação às competências ministradas.
É certo, do ponto de vista estatístico e generalizado, não do ponto de vista da
individualidade de cada pessoa.
Aqui
repousa o princípio da proporcionalidade, aplicável na análise do caso
concreto, não em abstrações. Não poderia, nem deveria, o legislador – e assim
seguiu bem a Lei de Diretrizes e Bases da Educação – delimitar rígidas regras,
eis que cada indivíduo, dentro de suas particularidades e capacidades, terá
diferentes potenciais de aprendizagem: alguns mais tardios, outros mais
precoces.
Não
se está a fomentar a tendência atual de sobrecarga das crianças com
compromissos e deveres, tolhendo-lhes o direito de brincar. Pelo contrário, a
escola é espaço, além de estudo, também de brincadeiras, de amizade, de
crescimento, de maturidade. Quiçá no Brasil todas as crianças e adolescentes
estivessem frequentando uma escola!
Neste
ponto, peço vênia para externar que não se concebe num Estado democrático de
direito como o nosso a intervenção pública sobre os métodos ou critérios da
família na condução do ensino dos filhos. Muito mais os pais, com auxílio dos
professores, têm condições de avaliar as capacidades cognitivas e intelectuais
das crianças, do que acadêmicos ou burocratas.
No
presente writ, vê-se que a impetrante
já cursou, regularmente e com aproveitamento, a série anterior, estando barrada
de prosseguir nos estudos pelo simples fato de completar a idade mínima exigida
– quatro anos – apenas no segundo semestre do ano letivo (destaque-se, apenas
dois meses da data limite fixada!).
Evidente
o cerceamento do direito fundamental à educação da criança, assentando-se a
limitação em meros critérios cronológicos, os quais, como brevemente lançado
acima, não têm a capacidade de regular as reais condições psicológicas e
mentais da criança. É desproporcional e desarrazoado.
Não
por menos, descura dos aspectos mais íntimos da criança, pessoa em
desenvolvimento e necessitada de toda proteção e amparo, na medida em que ela
ou estaria obrigada a cursar novamente a fase maternal – longe das amizades já cultivadas
e sopesada por conteúdos repetitivos – ou, ainda mais inaceitável, estaria fora
da escola, aguardando um ano inteiro em situação de inércia simplesmente por
não possuir requisito “cientificamente discutido”.
Diante
do exposto, presente está (e esteve durante toda a eficácia da liminar
concedida) o direito líquido e certo da impetrante à matrícula na primeira fase
da pré-escola, em respeito aos princípios maiores da dignidade da pessoa humana
e da proteção integral à criança, não se podendo coadunar com restrições
desproporcionais diante do caso concreto.
A
urgência também foi premente na concessão da antecipação dos efeitos da tutela,
consubstanciada pela efetivação da matrícula da impetrante.
De
outro lado, afigura-se até mesmo inócua e teratológica eventual decisão
contrária à liminar já concedida, haja vista o término do ano letivo, já tendo
a criança frequentado regularmente a primeira fase do pré-primário.
Com
estas razões, respeitosamente, opinamos pela concessão do mandamus, confirmando-se a liminar outrora concedida, como medida
de inteira Justiça.
06 de dezembro de 2011.
(por óbvio, as informações das partes e das folhas foram omitidas nesta publicação)