quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Atividade jurídica = experiência jurídica?

A expressão "atividade jurídica" foi inserida no texto constitucional pela EC45 quando tratou dos requisitos para investidura na magistratura e Ministério Público. Tal requisito - três anos de atividade jurídica - visa integrar os quadros do Judiciário e Ministério Público (e mais recentemente outras carreiras tão importantes) com candidatos com mais experiência, maturidade e vivência, evitando, como chegou a ocorrer anos atrás, de jovens tão logo saídos dos bancos universitários já ingressassem nas vagas sem nenhum contato prático com a lida forense.
Contudo, a CF não explicitou como seria considerada a tal "atividade jurídica", quais os critérios. Vieram então os Conselhos Nacionais (CNJ e CNMP) e editaram resoluções definindo a expressão. A mais recente Resolução 75 do CNJ, de 2009, bastante semelhante à Resolução editada pelo CNMP, definiu, em síntese: exercício da advocacia, função de conciliador da justiça, cargo ou emprego privativo de bacharel de direito, cargo ou emprego que utilize, preponderantemente, conhecimentos jurídicos, professor universitário. Basicamente é isto. O CNJ excluiu do cômputo a conclusão de cursos de pós-graduação, critério ainda aceito pelo CNMP.
Nessa esteira, vários outros concursos pelo país passaram a fazer a mesma exigência: procuradorias municipais e estaduais, defensorias públicas, assessorias jurídicas legislativas. Não faltaram inovações como um edital que exigia, exclusivamente, o exercício da advocacia, sem previsão de qualquer outra atividade.
Nesse imbróglio, a OAB ainda ratificou e exigiu que os cursos de pós-graduação realmente não sejam considerados como atividade jurídica, pois tal não se confunde com atividade acadêmica.
Esse é o (triste) panorama brasileiro.
A intenção do legislador, preocupação mesmo de toda sociedade, foi de, como já referi acima, promover pessoas capacitadas e com alguma experiência prática do mundo jurídico para tão importantes funções públicas, como juiz e promotor.
Ora. Será que com todas as fases exigidas pelos concursos, em especial as entrevistas psicossociais, não se consegue "filtrar" os inexperientes daqueles mais vividos na prática forense? Entendeu o CNJ, seguido pelo CNMP e outros órgãos, que não, cabendo, pois bem, definir os critérios para apuração do tempo de atividade jurídica. Porém, tais critérios são discriminatórios, inaceitáveis numa democracia, já que exclui candidatos muito preparados e competentes.
Senão vejamos:
- exercício da advocacia: é cediço que bastará a novos candidatos, recém saídos das universidades, especialmente aqueles que possuem familiares ou amigos com escritórios, que assinem petições em conjunto, sem participar efetivamente dos processos, e já contarão com a "prática comprovada" através de algumas atuações anuais em juízo. Ou seja, o critério não consegue comprovar nenhuma real experiência.
- cargos ou empregos privativos de bacharel em direito: somente estes exercem atividade forense? E cargos como de escrevente judiciário ou de oficial de justiça ou de oficial de promotoria, que são impedidos de exercer a advocacia? Em alguns Estados, como São Paulo, onde não é exigido nível superior, mas também não existe uma carreira que prestigie o servidor universitário, além de não haver cargos de nível superior, tais ficarão excluídos, impossibilitados de participar dos concursos? Ou terão que ser exonerados para exercer "atividade jurídica". É óbvio (e ninguém admite formalmente) que muitos servidores do judiciário e também do MP é que auxiliam diretamente os magistrados e promotores nas peças, despachos, audiências e sentenças. Quer mais experiência que isso? Mais até do que muitos advogados de anos de atividade.
- um remendo foi colocado na Resolução: "atividade que exija conhecimentos eminentemente jurídicos". Mediante certidão do órgão. Alguém acredita que serão fornecidas certidões que atestem a real atividade forense, sob pena de caracterizar desvio de função? Estarão nas mãos da discricionariedade do órgão que emitir a certidão e do examinador que acolher ou não tal documento. A ver...
- curso de pós-graduação: por que a OAB não aceita o estudo continuado, especializado, como experiência? Será que só o advogado militante tem experiência – não raro muitos desatualizados, seja pela falta de tempo, seja pela condição financeira? A competência e dedicação para o estudo também são bons indicadores de vivência. Ou então as diversas fases dos concursos não conseguem separar o "joio do trigo".
 Por tais e mais pontos controvertidos atuais exigidos pela maioria dos concursos públicos da área jurídica no país, o que se tem é verdadeiramente um quadro discriminatório e excludente, longe de acolher aos quadros da Justiça pessoas competentes e realmente preparadas, pois muitos estarão impedidos de concorrer às vagas.
O que podemos fazer para reverter essa situação?

Juliano de Camargo
concursando