sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Teoria da Encampação no Mandado de Segurança

Em sede de Mandado de Segurança, quais as hipóteses em que é possível a aplicação da “teoria da encampação” relativamente à autoridade coatora?
 

JULIANO DE CAMARGO
Bacharel em Direito e Pós-graduando em Direito Público no Curso LFG
Agosto/2010




A Constituição Federal em seu art. 5º, inciso LXIX, dispõe sobre o mandado de segurança, definido como remédio constitucional para proteção de direito líquido e certo contra ato ilegal ou abusivo de autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de funções públicas. Da mesma maneira, a legislação infraconstitucional que disciplina o mandado de segurança (Lei nº 12.016, de 03 de agosto de 2009) traz disposição semelhante ao texto constitucional, ampliando, conforme disposto no seu art. 1º, o termo autoridade, “seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça”.
Cabe, inicialmente, para o presente estudo, a definição de quem é essa autoridade coatora para então se adentrar ao estudo da teoria da encampação.
O art. 6º, §3º, da Lei do Mandado de Segurança define autoridade coatora como sendo aquela “que tenha praticado o ato impugnado ou da qual emane a ordem para a sua prática.” Tecnicamente, segundo a disposição legal, é a autoridade, como pessoa natural, a parte passiva no mandado de segurança, embora parte expressiva da doutrina sustente que a pessoa jurídica da qual faz parte a autoridade é quem, na realidade, compõe o polo passivo da ação, já que na prática é quem suportará os efeitos da sentença.1
De qualquer modo, a impetração de mandado de segurança é feita contra ato ilegal ou abusivo de pessoa certa e determinada, tida como a autoridade coatora. Contudo, não raras vezes, o jurisdicionado não vislumbra com clareza o responsável pelo ato impugnado, acabando por demandar outra autoridade, dentro de uma escala hierárquica. Nesses casos, pode ocorrer da autoridade impetrada, superior hierarquicamente àquela responsável direta pelo ato impugnado, adentrar no mérito da questão discutida e defender o ato praticado, tornando-se então legítima para figurar no polo passivo da ação, configurando a encampação.
A teoria da encampação, acolhida pelo Superior Tribunal de Justiça, afirma que “a autoridade hierarquicamente superior, apontada como coatora nos autos de mandado de segurança, que defende o mérito do ato impugnado ao prestar informações, torna-se legitimada para figurar no pólo passivo do writ.” (STJ, Embargos de Declaração no Mandado de Segurança nº 13545/DF, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, J. 15/12/2008).
Mas não basta apenas a indicação equivocada da autoridade coatora. A admissibilidade de uma encampação não pode levar à modificação ou ampliação da competência para julgamento do mandamus, o que feriria disposição constitucional, conforme se infere do julgado abaixo do Superior Tribunal de Justiça:
PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. ERRÔNEA INDICAÇÃO DA AUTORIDADE COATORA. MODIFICAÇÃO DE COMPETÊNCIA ABSOLUTA. EMENDA À INICIAL. IMPOSSIBILIDADE. 1. O STJ tem jurisprudência no sentido de que, havendo erro na indicação da autoridade coatora, deve o juiz extinguir o processo sem julgamento de mérito, conforme preceitua o art. 267, VI, do Código de Processo Civil, sendo vedada a substituição do pólo passivo. 2. Descabe substituir de ofício a autoridade coatora por outra não sujeita à sua jurisdição originária. Da mesma forma, inviável a determinação, pelo Tribunal, de emenda à inicial ou a adoção da "teoria da encampação", o que tornaria indevida a modificação ampliativa de competência absoluta fixada na Constituição. 3. No caso, a incorreta formação do pólo passivo modifica a própria competência do TJDF para julgar o mérito da impetração, porquanto ajuizada em seu Conselho Especial. Contudo, a ação deve ser processada e julgada por Juízo de uma das Varas da Fazenda Pública do Distrito Federal, nos termos do art. 31 da Lei Orgânica do DF. 4. Recurso Especial provido.” (STJ, REsp 1190165 / DF, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, J. 15/06/2010).
E ainda, para aplicação dessa teoria, faz-se necessário que a autoridade indicada preste as informações assumindo a defesa do ato impugnado. Caso contrário, em que se limite a apontar sua ilegitimidade ou referindo-se que, embora hierarquicamente superior, não tem competência para invalidar o ato, não há que se falar em encampação do ato impugnado, conforme decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, in verbis:
ILEGITIMIDADE PASSIVA. TEORIA DA ENCAMPAÇÃO. INAPLICABILIDADE. 1. Impetrado mandado de segurança apontando equivocadamente a autoridade coatora, haverá ilegitimidade passiva, pois não possui a mesma atribuição para a correção do ato impugnado. 2. A Teoria da Encampação somente tem lugar quando a autoridade apontada como coatora defende o ato praticado em seu mérito, hipótese inocorrente no caso dos autos. 3. Precedentes jurisprudenciais” (TRF4, Apelação em Mandado de Segurança nº 2004.70.00.02268-5/PR, Rel. Dirceu de Almeida Soares, J. 25/10/2005).
Em resumo, será possível aplicação da teoria da encampação no mandado de segurança quando presentes os requisitos:
a) vínculo hierárquico entre a autoridade que presta informações (encampante) e o responsável pelo ato impugnado (encampado);
b) mesma competência para julgamento do writ, seja quanto ao encampante, seja o encampado;
c) as informações prestadas pelo encampante tenham se referido ao mérito da ação, embora possa ter suscitado preliminar de ilegitimidade.
Enfim, a teoria da encampação permite a substituição da autoridade efetivamente responsável por seu superior hierárquico e possibilita o julgamento do writ, encontrando amparo nos princípios da celeridade e da economia processual2, inerentes ao mandado de segurança. Objetiva, pois, buscar solução efetiva ao conflito evitando minúcias formalistas meramente procedimentais.


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1 (GEPRO/UNB). Grupo de Estudo em Direito Processual da UnB. Comentários à nova Lei do Mandado de Segurança (Lei 12.016/09). Texto de autoria coletiva do Grupo, liderado por Jorge Amaury Maia Nunes e organizado por Henrique Araújo Costa. Disponível em: http://www.arcos.org.br/artigos/comentarios-a-nova-leido-mandado-de-seguranca-lei-12016-09. Material da 1ª aula da disciplina Direito Constitucional Aplicado, ministrada no curso de pós-graduação lato sensu televirtual em Direito Público – Anhanguera-Uniderp|Rede LFG. – p.5.
2 “PROCESSO CIVIL -MANDADO DE SEGURANÇA -CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA - LEI ESTADUAL 7.249/98 -SISTEMA DE SEGURIDADE SOCIAL DOS SERVIDORES PÚBLICOS DO ESTADO DA BAHIA -SÚMULA 282/STF -LEGITIMIDADE PASSIVA -GOVERNADOR DO ESTADO -TEORIA DA ENCAMPAÇÃO. 1. Se a autoridade indicada erroneamente, mesmo tendo argüido a sua ilegitimidade, assumir a coatoria do ato e prestar informações, por economia processual, aplica-se a Teoria da Encampação, continuando-se com o writ. 2. Hipótese dos autos cujas circunstâncias autorizam aplicar a Teoria da Encampação. 3. Recurso especial improvido” (STJ, Recurso Especial nº 710238/BA, Rel. Min. Eliana Calmon, J. 31/08/2005).