domingo, 26 de setembro de 2010

Questões polêmicas do crime de associação para o tráfico ilícito de entorpecentes – art. 35 da Lei 11.343/06

Questões polêmicas do crime de associação para o tráfico ilícito de entorpecentes – art. 35 da Lei 11.343/06
Juliano de Camargo
concursando

“Art. 35 . Associarem-se duas ou mais pessoas para o fim de praticar, reiteradamente ou não, qualquer do crimes previstos nos arts. 33, “caput” e §1º, e 34 desta lei: Pena – reclusão, de três a dez anos, e pagamento de 700 a 1.200 dias-multa.”
A associação para o tráfico configura-se com a união de dois ou mais agentes que, deliberadamente, se associam para a prática da traficância; crime de mera conduta, que se consuma mesmo que o tráfico não venha a se efetivar.

Questão 1: a associação para o tráfico é crime hediondo?
Não. Como o art. 2º da Lei 8072/90 estabelece como crime equiparado aos hediondos apenas o tráfico ilícito de drogas, por conseqüência não se pode fazer analogia ‘in malam partem’ para trazer as conseqüências da hediondez ao crime de associação.

Questão 2: a associação é crime inafiançável e insuscetível de graça ou anistia?
O art. 5º, inciso XLIII, da Constituição Federal expressamente aplica tais vedações aos crimes hediondos e equiparados – tortura, terrorismo e tráfico de drogas – não se mencionando a associação. Da mesma forma, nenhuma menção faz a Lei dos Crimes Hediondos (e nem poderia se sobrepor à CF).
Portanto, poderia o art. 44 da Lei 11.343/06 estabelecer que o crime de associação é “inafiançável e insuscetível de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória”?
Entendo que não, pois é materialmente inconstitucional a ampliação das vedações a direitos fundamentais, eis que a CF limitou apenas os elencados institutos ao tráfico, não se podendo estender ao crime do art. 35 da referida lei.
Além disso, a graça e o indulto (competência do Presidente da República) e a anistia (competência do Congresso Nacional), não podem ser limitados por lei infraconstitucional, já que é a própria Constituição Federal que define a aplicabilidade dessas benesses e somente o constituinte originário poderia restringi-las, como o fez no inciso XLIII, cláusula pétrea.
Portanto, é inconstitucional a aplicação do art. 44 da Lei 11.343/06 ao art. 35 da mesma lei.

Questão 3: Qual é a progressão de regime no crime de associação para o tráfico?
Se não é considerado crime hediondo, segue a regra geral da progressão de regime prevista no art. 112 da Lei 7.210/84 (Lei das Execuções Penais) que é de 1/6, não se aplicando a previsão dos crimes hediondo – 2/5 se primário, 3/5 se reincidente.

Questão 4: Qual o tempo para concessão de livramento condicional?
O parágrafo único do art. 44 da Lei 11.343/06 estabelece para os crimes previstos no “caput” o livramento condicional após o cumprimento de 2/3 da pena, vedada a concessão ao reincidente específico.
Na esteira dos apontamentos acima, estaria o legislador penalizando da mesma forma a prática de um crime hediondo e outro que não o é.
(Observação: não estou defendendo o nefasto crime de associação e o conseqüente tráfico, apenas faço uma análise sistemática das, infelizmente, impropriedades da própria lei).
O tema é polêmico: os adeptos de uma política mais penalizadora justificarão a escolha do legislador e dirão como correta e legítima a alteração do limite para concessão do livramento condicional; ou corrente, mais humanitária, rechaçando a equiparação aos crimes hedindos, afirma que ao crime de associação para o tráfico aplicar-se-á a concessão do livramento condicional pelas regras gerais do Código Penal. A aguardar a pacificação nos Tribunais.

Questão 5: São incompatíveis as penas do art. 35 da Lei 11.343/06 com aquela prevista no art. 8º da Lei 8.072/90?
A pena para a associação para o tráfico ilícito de drogas é de reclusão de 3 a 10 anos e multa de 700 a 1.200 dias-multa.
Já a Lei dos Crimes Hediondos fixa pena de reclusão de 3 a 6 anos (sem multa) para o crime de quadrilha ou bando (art. 288 do CP) quando destinado a prática de crimes hediondos ou equiparados.
Ora, estaria o legislador apenando com mais rigor um delito que, em tese, é menos lesivo que outro? Isto porque a associação para o tráfico exige a união de apenas duas pessoas para sua configuração, enquanto o crime de quadrilha exige a presença de quatro ou mais agentes.
Corrente formou-se no sentido de que o art. 35 da lei de drogas teria derrogado o art. 8º da lei dos crimes hediondo no tocante ao tráfico, dessa maneira:
a)      Associação de quatro ou mais pessoas para a prática de crimes em geral: pena de 1 a 3 anos (art. 288 do CP);
b)      Associação de quatro ou mais pessoas para a prática de crimes hediondos, exceto o tráfico: pena de 3 a 6 anos (art. 8º da Lei 8072/90);
c)       Associação de duas ou mais pessoas para a prática do tráfico de drogas: pena de 3 a 10 anos mais multa (art. 35 da Lei 11.343/06).
Nota-se uma evidente incoerência. Essa distinção de tratamento fere os princípios da isonomia e da proporcionalidade, pois fixa limites distintos mais agravados a delitos em tese menos lesivos, sem um fundamento razoável de ordem material que justifique maior reprovação desta ou daquela conduta. Ou a formação de quadrilha para prática de extorsão mediante sequestro é “menos grave” do que a associação para o tráfico?
O Supremo Tribunal Federal já havia se debruçado sobre a questão antes da vigência da vigência da Lei 11.343/06, quando decidiu que para o delito do art. 14 da Lei 6.368/76 (associação que era apenada de 3 a 10 anos) aplicaria a pena prevista no art. 8º da Lei dos Crimes Hediondos (3 a 6 anos), numa interpretação ab-rogante.
A nova Lei de Drogas veio restaurar a pena de reclusão de 3 a 10 anos para o crime de associação e, atualmente, a discussão não é mais se lei posterior revoga lei anterior, pois ambas são normas de mesma hierarquia. A questão está na proporcionalidade da reprimenda aplicada, ou seja, a pena do art. 35 deve ser, ao menos, igual àquela prevista no art. 8º da Lei dos Crimes Hediondos.